CARTA A UMA AMIGA - terapia

Amiga,

Como você bem sabe, eu sou muito chorona. Muito mesmo. Choro à toa, então quando falam o que mexem com a gente, quando estamos diante de nossas verdades, de nossas feridas, de coisas que tentamos não pensar, ou ocultar, quando são colocadas diante de nós, vemos nossas máscaras sendo removidas. E isso causa muito sofrimento; porque é duro nos depararmos com outros vendo nossos medos, nossos segredos, nosso lado negro ou inseguro, ou tenebroso, ou feio, do mal, ou babaca, ou vazio... ou... cheio de outras coisas que não mostramos nem a nós mesmos, aí desabamos, porque tememos a nós mesmos.

"Todo ser humano é uma ilha", já ouvi isso. E concordo. Somos um, somos um ponto no oceano, somos solitários com nossas inquietudes, nossa mente sempre alerta, captando, expandindo, escondendo, tramando, tentando macular um ser, moldar um ser social, que possa viver em sociedade da maneira que os outros esperam, ou imaginam, ou dizem que é o certo, que é bom, que devemos agir.

Todos nós criamos máscaras para nos defender de nós mesmos e da sociedade, que não aceita a verdade nua e crua de cada um. Da sociedade que impõe regras, limites, modos, regras de etiqueta, de convivência, disso e daquilo. E, na verdade, ninguém é o que aparenta ser, porque o ser humano tem razão; esta mesma que faz do homem um ser "especial " é a mesma que o faz desigual, pequeno, podre, mentiroso, farsante.

O único animal que se veste, é o de nossa raça. Por quê? Por que tem vergonha da sua verdade. Somos seres que vivemos inventando coisas para burlar, para mascarar a vida simples de simples animais que devíamos ser.

E aí estão os políticos, os corruptos, os traidores, os puxa-sacos, as socialites, os padres e pastores, os isso, os aquilo... cheio de rótulos que nós criamos, nos colocamos, nos avaliamos. E por isso sofremos, amiga! Porque somos mais humanos que animais. Deixamos toda a essência da vida e de nosso ínfimo ser esmagada pela vaidade, pela sociedade, pela hipocrisia que é viver em sociedade - essa sociedade que não aceita os diferentes, que quer moldar, criar fantoches para seu próprio espetáculo. Somos criador e criatura deste espetáculo social chamado vida humana.

Pra mim, tá tudo muito claro, e eu faço parte desse espetáculo; eu vejo as pessoas, e sei que elas não são o que eu vejo. E eu estou com pessoas, e falo com elas, e sei que eu também não sou apenas o que se apresenta. Sou um fantoche social, uma cria dessa podridão e sei disso e, simplesmente, não faço nada para ser diferente, para escancarar, para abrir, e mostrar e revelar as entranhas de cada um. Fico olhando as pessoas, e tentando captar a verdade delas, e o quão espetaculares são para conseguirem manter seu disfarce, pois ninguém é o que se apresenta.

Todos nós, humanos, temos vários seres dentro da gente, temos vários eus, vários personagens, máscaras as mais variadas para serem usadas conforme se convém. E quando nos damos conta das inúmeras vertentes que temos dentro da gente,sofremos por nós e por imaginarmos que isto é do ser humano, não apenas meu ou seu.

Aparentemente, a vida está ótima. Tudo lindo! Filhos, marido, jardim florido, amigos, emprego... mas... quem sabe a turbulência do meu eu?, do meu interior? Quem pode imaginar que eu tento ver as pessoas além das aparências, e que, quando entro nessa, vejo mentiras, marketing de sobrevivência pessoal/social?

E como viver assim? Cansei de utopias. A maturidade, o conhecimento nos traz tantas oportunidades, mas também nos tira tanta coisa - esperança e ilusão, principalmente. Além da vida em si mesma. Temos tudo nesta vida e, de repente, não temos mais vida! Vemos nossos queridos partirem para sempre, para onde? De repente, não há mais vida! Então o que estamos fazendo aqui? Quem somos nós neste universo? O que querem de nós aqui?

Desculpe, amiga, mas fiz uma puta catarse aqui. O título desse assunto tinha mesmo de ser terapia. Acho que isso dá uma sessão e tanto, heim?

Filosofar sobre a vida de vez em quando é muito bom. Nessa hora faz muita falta um cigarrinho...

Beijos... desculpa,

Rosimere Ferreira
Enviado por Rosimere Ferreira em 15/10/2008
Reeditado em 15/10/2008
Código do texto: T1230027