Caixinha de Veludo

Senhor tempo,

a casa foi reformada, a mobília quase toda arrumada.

Alguns criados ajeitam apressados os embrulhos da cozinha,

sinto cheiro do café da Sinhá Terezinha. Antes de descer ao porão,

resolvo ir beber esse néctar dos cafezais. Uma xícara menina Clara?

— Não, dona Terezinha, minha avó me deu uma canequinha esmaltada.

Ela afirmava que alí dentro tinha pó de amor, o cafezinho era mais gostoso, até o leite da cabrita espuleta, era servido na minha canequinha.

Chovia fininho lá fora, olhando através da vidraça, via uns patos apavorados, buscando se proteger junto às galinhas.

— Bolachas?

— Não, dona Terezinha, quero só o café mesmo. Preciso descer, vou espiar uns guardados.

Álbuns de fotografias antigas, empoeirados e amarelados. Meus olhos vão percorrendo as folhas de um diário. Melhor não ler, não quero chorar. Prometí isso ao senhor tempo!

Com carinho, vou organizando o que parecia bagunça, não deixava ninguém tocar em nada. Somente eu sabia organizar meus achados.

Perdida, alí no canto, dentro de uma caixa, estava a caixinha de veludo azul.

Ai, que saudade!

Meus dedos buscam abrir minha jóia, mas o fecho estava enferrujado pelo tempo esquecido em um cantinho ficado.

Ai, que saudade!

Será que a minha borboleta ainda estaria alí?

A medalhinha, aquele correio elegante e o papel de bala feito beijinho.

Que surpresa boa! Tudo perfeitamente arrumadinho, como deveria ser a vida da gente. Lembranças tão simples e significativas. Olhando direitinho, a borboleta quebrou uma asa. Deve ter se debatido, tentando voar. Comparada à minha vida, em algumas situações,

me sentí sufocada e presa. Sinto que quebrei algumas etapas.

A medalha era milagrosa. Foi a mesma que durante minha vida, guardou-me como um anjo da guarda.

Papel de bala, lacinho em formato de beijinho, era comum entre a meninada. Lembro que durante meus jovens velhos tempos, beijos perdí, outros me foram roubados.

Caixinha de veludo, você é meu relicário.

Ajeito tudo no lugar, afinal, muitos anos se passaram desde a última visita.

Senhor tempo, deixo para a posteridade, minhas jóias da vivência, junto à caixinha de veludo. Da borboleta mais uma asa foi quebrada. Borboleta azul, leva-me contigo, na asa imaginária.

Está chegando a hora, preciso deixar meus guardados.

Não posso chorar, o senhor tempo não pode ver-me assim.

VOA JURITÍ, você viveu, hoje morreu, mas ainda é feliz!