Piedade pelo meu coração

Pedir piedade é tão complicado, eu diria até difícil. Então peço apenas uma explicação, uma pequena consideração pelos meus sentimentos!

Há muito meu coração estava calado, ali sossegado, no cantinho dele sem bater muito é verdade, porém estava batendo. Então tu resolveste aparecer em minha vida, apesar de pensares que eu fui quem apareceu na tua. E ele bateu uma batida diferente, que há muito tempo eu não sentia, chegou a doer o peito e a respiração faltou por alguns segundos. O órgão acelerou, o sangue pulsou pelas artérias e arteríolas, veias e vênulas, por todas as partezinhas esquecidas pelo líquido escarlate devido a quase parada de vida. Meus lábios coraram assim como meu rosto pálido e de aspecto morto, meus olhos ganharam um brilho intenso, um pequeno movimento das comissuras labiais e eu esbocei um lindo sorriso, diria até majestoso, pois tu o merecia. Gargalhei pelas ruas da cidade escurecidas pela noite do horário de verão, sentada na calçada, ao lado do antiquário perdi a noção da hora diversas vezes pela companhia agradável, pelo prazer que tua pessoa me proporcionava, o teu sorriso também foi um dos culpados.

Parecia tão perfeito, só não o era pelo teu coração ter dona e não era eu! A pessoa certa no momento errado? Momentos errados não existem! Apenas o que existe são decisões precipitadamente erradas pelos caminhos da vida. Eu sou a pessoa certa no teu melhor momento, ou seja, no teu presente. Todos falam que a vida é difícil, mas nesse caso a vida foi dificultada por tua própria pessoa, um tanto confusa é verdade, mas que num futuro bem próximo irá se arrepender de algumas escolhas, não é praga rogada nem bruxaria, te assuguro.

Assim como tu, eu precisava largar o meu passado para trás, e assim eu o fiz, aparentemente tarde demais, ou então mais uma vez a confusão da tua mente e as chantagens incessantes assim como a indecisão, tua companheira constante nesses últimos dias, te fizeram virar uma curva pro lado contrário do caminho ao qual eu te esperava sorrindo, e que agora me despeço chorando. A vida não é cruel, as pessoas é que são! Cruéis consigo mesmas e com os que por elas demonstram carinho e preocupação. Tudo ao contrário, foi o que tu fez! Me senti culpada no meio da confusão, já que em tua visão apareci do nada, lá estava eu, perdida num lugar desconhecido, uma alma triste, e lá estavas tu, uma alma entorpecida pelos fatos cotidianos dos casais suburbanos. Lá nos encontramos, culpa minha? Não, acho que não. A escolha em sentar àquela mesa foi minha é verdade, e posso dizer que não me arrependo disso, nem de sentar à tua frente na semana seguinte. Não me arrependo de sentar na calçada ao lado do antiquário numa das minhas partes preferidas da cidade antiga adormecida, não creio que me arrependa também das longas conversas, mesmo que uma delas tenha me gerado uma bela e extensa conta telefônica. Pois se eu me arrependesse disso tudo então eu teria de mudar de cidade, pois fomos aos meus locais preferidos, aliás, nossos locais preferidos não é verdade? A pessoa perfeita? Perfeição não existe! Prova viva, fato da vida! Mas creio que possam existir decisões certas, as pessoas certas, nenhum momento é errado, é aquele momento e pronto, não adianta discutir e arrancar os cabelos, ou quer ou não quer, e tu não o quis, fato concretizado!

A tristeza que em mim não mais existia hoje se mostrou presente, e veio com vontade, com força, derramei lágrimas, meus olhos incharam, solucei, congestionei meu nariz que ficou vermelho. As lágrimas pingavam e escorriam no mesmo ritmo do sangue que gotejava de minha alma, de meu coração. Não havia restado muito do pobre coitado coração sofrido, apenas um pequeno caquinho, uma pequena fração, que estava reservada para alguém especial, mas hoje o último caquinho se desprendeu e caiu ao chão, silencioso, não fez ruído algum, foi ao chão e transformou-se em pó, o vento soprou e dali tudo foi levado após algum tempo. Doeu, doeu muito, de verdade, eu gemi pela dor, eu gritei pra que a solidão não chegasse, mas ela veio mais rápido ainda. Me escondi embaixo das cobertas para que a tristeza não me encontrasse, mas ela achou um pequeno vão no lençol e por ali ela entrou sorrateira, alcançou cada parte do meu corpo, me entorpeceu como o álcool o faz quando ingerido em demasia. A depressão veio em seguida, lógico, não poderia deixar a tristeza e a solidão, suas melhores amigas sozinhas. O frio, o gelo novamente... O líquido escarlate congelou, parou seu bombear nesse domingo, artérias e arteríolas não eram mais irrigadas com vida, veias e vênulas entupiram com a rápida morte do órgão humano, o quente líquido vermelho ficou preto e sem temperatura positiva.

Eu merecia pelo menos um pouco consideração, uma amostra de caráter, um pouco de compaixão da pessoa que consegui gostar em tão pouco tempo, que me mostrou com paixão seus gostos e desgostos, suas supostas perfeições. Sim, uma pequena explicação era necessária, mas fugiste como um belo covarde. Fostes dar atenção e importância às chantagens emocionais, aos apelos, aos apegos costumeiros, ao pedido da dúvida carnal.

Há muito eu não encontrava uma pessoa que encaixasse assim comigo, tua boca encaixava na minha, tua língua acompanhava e buscava a minha, tua mão enlaçava perfeitamente na minha, teus dedos se juntavam aos meus sem sobrar ou faltar espaço, o teu abraço, o teu cheiro, teus olhos que mostravam mais do que tu queria. Eu tomei todos os banhos possíveis para retirar tua presença, eu escovei os dentes até as gengivas sangrarem e lavei a boca incontáveis vezes, mas o teu gosto não sai. Minha memória não te apaga e eu não te esqueço. Criei um buraco em meu estômago, e uma ferida no meio do peito onde aquele último caco estava tentando manter fechado, como se fosse um ponto mal dado por um estudante inicial do curso de medicina. Sabe aquele beijo que beija tua boca insanamente e degusta teu gosto com desespero? Essa é mais ou menos a descrição que posso fazer dos meus momentos contigo. Com os olhos fechados nos consumíamos por inteiro como se fôssemos um do outro o perfeito devaneio.

Mas para tudo há um preço a ser pago, e eu preciso te avisar que ele costuma ser caro em algumas ocasiões. Eu continuarei aqui, com minhas companheiras de sempre, acho que eternas, solidão e parceiras, porém conseguirei sobreviver um tempinho mais, mesmo querendo deixar de existir nesse minuto, agora a tua pessoa terá um pedágio maior nesse caminho, nessa curva virada com tanta dúvida talvez não haja retorno, talvez não haja sequer saída, e o valor é alto. A cada feira, lembrará de mim, a cada livro comprado e lido, a cada passo dado no centro da cidade lembrará de mim, olhar prédios antigos será doloroso, pois não terá com quem comentar as esculturas góticas e barrocas, afinal quase ninguém repara nisso não é mesmo? Pois as pessoas não caminham olhando pro alto. Ninguém te dirá, que aquela cena era perfeita para uma foto, o pôr-do-sol nunca mais será o mesmo à beira do Rio, os chuviscos veranis não serão iguais, pois não me terá ao teu lado, nem mesmo deitar na grama do parque será deixado de lado, nada irá passar em vão, tudo será cobrado, até o último centavo. Pois eu te falei que me transformaria na tua droga, no teu vício, eu sou o veneno que poderia te matar, sou o teu eterno veneno, serei uma memória em tua mente, um vício sem cura. Sou a perfeição que tu não quis no momento ideal, nesse momento que em nossas humanas vidas foi tão real.

Lilith Góthica
Enviado por Lilith Góthica em 01/12/2008
Reeditado em 01/12/2008
Código do texto: T1312345
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