AO MEU PROFESSOR

Professor,

Ao final de sua exposição sobre a idéia de ética de um ponto de vista filosófico fez o seguinte questionamento:"o que você faria se soubesse que hoje seria seu último dia de vida?"

Tão logo ouvi seu questionamento, tão logo saltou à minha memória a personagem de Victor Hugo - que agora não sou capaz de lembrar de seu nome - aquela de seu livro "O Último dia de Um Condenado"! Como o próprio nome já diz! É o último dia de um condenado que o romancista irá relatar! Nesse aspecto está - acredito eu - o que me chamou a atenção a ponto de fazer com que lembrasse justamente desse livro no instante mesmo de seu questionamente.

A diferença básica entre o sujeito imaginado que, em vista da situação proposta por você - permite chamá-lo assim?! - seria eu e a personagem de Victor Hugo é fato da liberdade que ele não possuía. Tal fato modifica a natureza do questionar sobre o "fazer" do último dia. Ora, esse sujeito não poderia, assim como poderia o sujeito da imaginação, usufruir da possibilidade de tentar suprir quaisquer que fossem seus desejos. Isso sem entrar nos méritos do desejar!

Tal condição gera, a meu ver, nessa personagem uma angústia desesperada.

Segundo o que diz o senhor Urbano Zilles, o fronte de análise da filosofia existencialista é o modo como o homem se porta diante das realidades concretas do seu cotidiano, isso numa perspectiva kierkegaardiana sendo esse modo objetivado por três frentes: o homem diante do mundo, de si mesmo e de Deus. O fato de estar confrontado pelo mundo seu espírito sente-se angustiado; ao sentir-se confrontado por si mesmo, sente-se desesperado e, por fim , ao sentir-se confrontado por Deus, sente-se invadido pelo sentimento de nulidade provocado pelo estar situado no limiar do entender todo o resto como paradoxal.

Ao meu ver, o sujeito da imaginção, enfrentaria no máximo o sentimento de angústia por ter que lutar contra a idéia de morte que subitamente passa a povoar o cenário de sua vida. Mesmo sabendo que o que ora é idéia de morte daqui a algumas horas será a sua nua e crua realidade. Ao passo que a personagem de Victor Hugo enfrentaria a terceira condição apontado pelo senhor Urbano Zilles ao apresentar as condições de análise existencial sob um ponto de vista kiekegaardiano. Mas, não só. Porque, a meu ver, essa personagem enfrentaria a terceira condição somada as outras duas. Desse modo, essa personagem está colocada no horizonte de sua existência bem no ponto em que há uma encruzilhada e, aí situada, carece de posicionamento ético para dar continuidade à sua existência. De que forma continuará a existir se sua vida está prestes a ser arrancada de modo macabro? Assim, paradoxal e angustiosamente essa personagem terá que afirmar o primado da vida humana que é a única e possível coisa que lhe resta naquele instante sobre qualquer outra coisa.

Contudo, o fato mesmo de afirmar, não garantirá por si mesmo, a realização da ação ética qual seja a de escolher o primado da vida humana. Porque o afirmar o primado da vida humana sobre qualquer outra realidade possível e imagínável provocará, por sua vez, no interior dessa personagem uma angústia ainda maior, pois que, aquilo que ela afirma ser o intocável, inalienável, o divino nela mesma, está sendo aniquilado por aqueles outros que possuem a vida e não serão privados dela como ele será.

Como, então, conciliar o inconciliável? Esse movimento de saída de si para afirmar o valor supremo da vida mesmo dentro de condições contrárias à própria vida fará com que esta personagem entenda que a vida é paradoxal e que não cabe em conceitos fechados.

Portanto, o maior problema que ela enfrentará já não será o fato mesmo da morte e sim o não ter vivido a vida como ela é e se apresenta para ser vivida.

Assim o é porque o último desejo do condenado é falar com o filho, ou seja, viver através dele todas as vezes que ele (o filho) viver.

Dranem
Enviado por Dranem em 05/02/2009
Reeditado em 03/05/2009
Código do texto: T1423214