CULTIVANDO UM AMOR SEM DONO


Há já bastante tempo nossas emoções têm nos levado para lugares que nunca estivemos antes e em chegando lá montamos nossas barracas e sem nos apercebermos do grau de cumplicidade e impetuosidade das nossas ações amorosas decidimos fixar moradia ali por algum tempo.

Durante nossa estadia nesses lugares, até então desconhecidos, por diversas vezes, nós quisemos experimentar o novo, mas como sempre o fizemos antes, sequer nos demos a chance de deixarmos amadurecer aquela nossa idéia de independência mútua e, assim, vivenciá-la um pouquinho mais.

Vivenciamos, por fim, vários momentos de experiências e tentativas, ora frutíferas, ora em vão e nessas idas e vindas, sempre insistindo em busca de algo diferente para o efetivo fortalecimento do nosso amor, dia desses fomos parar num lugar muito distante, meio inóspito, habitado por uma pequena população de nativos de hábitos estranhos.

Notamos, enquanto estivemos ali, que tudo o que nos rodeava não nos pertencia por inteiro, mas por estarmos acostumados às regalias do mundo desregrado que vivíamos antes, fazíamos questão de tentar desfrutar das benesses existentes em cada palmo daquele espaço que, querendo ou não, permanecia ali, circunstancialmente, ao alcance dos nossos olhos.

Nas vezes anteriores, a partir dos instantes iniciais de cada chegada, era comum nós imaginarmos que deveríamos amar incondicionalmente tudo o que estivesse naquele lugar sem nos apossarmos de nada. Essa nossa atitude seria, sem sombra de dúvida, uma maneira inusitada de aceitarmos viver os nossos dias, integralmente, a serviço de uma seara ali existente, que há já bastante tempo precisava ser cultivada, mas nunca o fizemos por completo.

Nesta última visita que fizemos a esse lugar, tão logo chegamos fomos bem recepcionados pelos seres ali radicados e de pronto fomos informados que teríamos uma grande missão a ser cumprida enquanto ali permanecêssemos. Desta forma, assim que descansássemos um pouco e dispuséssemos de tempo, deveríamos cuidar de uma pequena seara ali existente, cujo trabalho básico seria a semeadura de alguns grãos de uma plantinha rara, cultivada intensamente por um pequeno grupo de agricultores, denominada “amor sem dono”.

Ficamos ali, durante algumas luas, cuidando dessa seara e, curiosamente, observamos que os dias surgiam naturalmente e de igual maneira iam embora, sempre cedendo lugar para as noites que, apesar de sombrias, seguiam o mesmo ritual natural.

O firmamento que se nos apresentava durante o período diurno e que naturalmente surgiria durante a noite nos permitia que desfrutássemos, sem nenhuma distinção, da sua rara beleza e de sua imensidão de opções poéticas em ambos os períodos.

Outrossim, observamos que nesse novo lugar onde estávamos vivendo não havia normas de condutas a serem seguidas pelos seus habitantes primitivos. Os seres ali presentes eram livres, tendo plena liberdade para viverem a sua vida sentimental de forma intensa, sempre eivada de muito amor. O mesmo não acontecia conosco, os seres humanos, que tão logo descarregamos nossas bagagens, tratamos de escarafunchar nossos guardados em busca de códigos e manuais que contivessem, pelo menos, regras básicas de bom viver e/ou alguma forma segura de prendermos a pessoa amada às armadilhas mais sórdidas dos nossos caprichos, aliadas às faculdades do nosso poder e querer pessoal.

Em princípio, nós sentimos que sem elas a existência de uma convivência independente, pacífica e, sobretudo duradoura, seria “humanamente” impossível entre nós. Decididamente, aquele ambiente novo, onde era comum a cultura dessa planta chamada “amor sem dono”, não era o lugar ideal para vivermos por muito tempo, por isso, logo percebemos que precisávamos de algumas regras básicas de conduta para, assim, levarmos a bom termo cada ato e/ou atitude assumidos no nosso cotidiano amoroso.

Descobrimos, outrossim, que nenhum dos habitantes desse mundo estranho onde estávamos temporariamente vivendo tinha conhecimento da existência dessa faculdade que os humanos têm de decidir por si mesmo, conhecida pelo nome de livre-arbítrio, mas notamos que todos eles no seu habitat agiam como se a conhecessem.

Em meio a alguns trancos e barrancos, conseguimos ficar por ali por um tempo maior que imaginávamos permanecer. E assim, graças a essa nossa persistência e vontade de lutar pela cultura desse amor diferente, conhecida como “amor sem dono”, nós descobrimos que tanto ali, quanto aqui, é “humanamente” impossível vivermos uma vida a dois sem atentarmos para o fiel cumprimento dos ditames deixados pelos nossos ancestrais, por mais conservadores que eles sejam.

Na verdade, o que nós não conseguimos assimilar bem e nem aceitar de forma pacífica durante nossa permanência naquele lugar, ainda que de forma temporária, foi conviver com seres supostamente mais livres que nós, obrigando-nos a manter aquela cultura de “amor sem dono” sem ao menos podermos seguir as nossas regras de conduta e de um bom viver submisso, por mais arcaicas que elas ainda sejam.

- Afinal de contas, será que esse liame de dependência envolvendo a convivência de uma vida a dois é realmente necessário?

Particularmente falando, num primeiro momento, eu não posso afirmar com muita propriedade acerca dessa possibilidade. Todavia, enquanto estivemos à frente dos trabalhos diários daquela cultura de “amor sem dono”, foi fácil perceber que houve a necessidade da existência de algum tipo de determinação e/ou submissão entre os envolvidos quando da realização das tarefas mais complexas, contanto que elas não adviessem de alguém que quisesse se apossar de uma maneira definitiva do nosso ser.

- O que você tem a me dizer a respeito?

Germano Correia da Silva
Enviado por Germano Correia da Silva em 01/03/2009
Reeditado em 02/09/2009
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