UM ADEUS ANTECIPADO

Querida,

Infortunadamente, esta é uma carta que você não poderá ler. Mesmo assim, por alguma razão que desconheço, decidi escrevê-la.

Há tempos escrevi carta a você, por ocasião do seu aniversário. Lembro-me que lhe entreguei a carta, escrita que foi com muito carinho e impressa com uma figura de um coração no canto superior direito. Também recordo-me que tinha um laço de fita vermelha, simbolizando a minha afeição por você. Era uma carta de reconhecimento e agradecimento pelos tantos anos que juntos desfrutamos.

Claro que tivemos atritos. Mas sempre considerei que atritos, vez ou outra, são episódios normais na vida de um casal. Muito mais do que atritos, tenho na memória inesquecíveis fases e momentos de muito amor e companheirismo que compartilhamos. Foram muitos anos de convivência.

Agora, diante da enfermidade que a acometeu e vendo-a no leito, com a certeza de que não posso ter esperanças quanto à recuperação da sua saúde, uma tristeza enorme me assola. É uma tristeza que pode não estar sendo demonstrada exteriormente como se poderia esperar, talvez pelo meu modo de ser, enganosamente duro e inabalável, como parece que sempre fui considerado.

Saiba que, com sua partida, um grande vazio tomará conta de mim, especialmente porque só pude guardar comigo os nossos melhores momentos, os momentos de amor que tivemos de marido e mulher, de pai e mãe, de avós. Os atritos ou desavenças não ficaram gravados, não me deixaram resquícios de mágoa, não maculam as lembranças que ficarão de você.

Ainda não pude pensar como ficará nossa casa sem você. Como vou saber fazer aquilo que nunca fiz. Mas prometo a você que irei cuidar das plantas, manterei intactos os objetos de adorno da casa que me fazem lembrar você e tudo o mais conforme era do seu gosto. Não pretendo mudar nada. Tudo será como se você estivesse presente.

Por razões da própria vida o seu fim teve que ser como está sendo, uma agonia, um padecimento prolongado, uma incerteza quanto à próxima hora. Penso que, mais do que você, estamos nós, da família que construimos, sofrendo hora após hora, dia após dia.

Como disse naquela carta que lhe entreguei, muito obrigado por ter existido e feito parte tão relevante na minha vida. Muito obrigado por tudo o que fez por mim, por nossa família, muito obrigado pelas lembranças que guardarei de você.

(Redigida em 05/04/09)

PS.: Minha esposa faleceu em 10/04/2009.

Augusto Canabrava
Enviado por Augusto Canabrava em 10/04/2009
Reeditado em 05/05/2009
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