Saulo,

 

          Há sete anos eu senti muito orgulho de você naqueles dias em que quase me perdi nos caminhos desconhecidos do nada poder fazer, e você, como um homenzinho cuidava de tudo;

          E quanto até sofrer era difícil porque o medo não me deixava sentir, você me pedia para ficar tranqüila que em casa estava tudo bem;
 

          Quando adormecer era perigoso, por medo de acordar e não encontrar seu irmão, você me ligava cedinho para dizer que tinha sonhado que seu irmão havia se recuperado ;

          Quando acordar era doloroso porque o sono não recuperava as forças que eu precisava, você era todo energia e mesmo ferido, comportava-se com bravura para não nos preocupar;

          Quando meu olhar se perdia no vazio porque não suportava ver o olhar cheio de angústia de seu irmão, você sentava ao meu lado e escutava meu silêncio;

          Quando meus dias pareciam arrastar-se para o nada porque doía ver tudo que me cercava, você me chamava para jogar cartas tentando me distrair;

 

          Quando o medo de não saber o que fazer era tão grande que me perdi no silêncio, você chorou comigo e disse baixinho, com a voz trêmula, que não queria ficar sozinho;

          E nesse dia eu percebi que você, embora estivesse se comportando como gente grande, era apenas uma criança assustada, que reprimia sua dor para não nos preocupar;

          Senti-me egoísta, pequena por não perceber a dimensão de sua dor, por elogiar sua coragem, mas não ter percebido seu medo. Fechada em minha dor fui incapaz de perceber que você também sofria. Mais que ser visto como herói você queria colo. Mais que elogios a sua coragem você precisava chorar.

          E só entendi o tamanho de seu sofrimento quando, meses depois você me disse que não queria mais ser médico, pois depois do acidente havia percebido que “não tinha sangue frio” para lidar com a morte.
 

          E todos que estavam lá naquele dia só falavam como você era forte. Perdoe-me meu filho, por ter me escondido atrás de você, por ter me exilado na dor deixando-o sozinho com seu sofrimento.

          Que Deus continue iluminando esse seu imenso coração. Obrigada meu filho e perdoe-me pelos erros que cometo. 

          Beijos, sua mãe, cheia de falhas, mas completamente apaixonada por vocês, meus maiores tesouros.




*Saulo fui o único que viu todo acidente e quando o socorro chegou foi ele quem pediu que procurassem o irmão que havia sido jogado para fora do carro e foi encontrado a mais de 15 metros do local do acidente. Eu estava desmaiada com a cabeça sangrando e  chegaram a pensar que eu estivesse morta.







 

Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 20/04/2009
Reeditado em 04/10/2011
Código do texto: T1550443
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