Inquisição

Ontem, quando acordei, uma tempestade se formava. Não... não estou falando de tempestade em sentido de metáfora. E sim daquelas tempestades que parecem varrer tudo, com grandes nuvens negras que tomam conta do céu aos poucos... ondas com espuma.

Estava só. Olhava pela janela, e perdi alguns minutos contemplando aquilo que penso ser a maior prova de força da natureza.

Água limpa tudo...cura todos os males. Vem com a força de uma enxurrada e leva tudo o que temos. Particularmente, acredito que quando me exponho à chuva, minhas forças se renovam.

Mas eu não podia olhar para o milagre que se aproximava.

Tinha que correr.

Tenho estado longe de mim mesma a tempo demais. São raras às vezes em que posso, por exemplo, admirar as folhas balançando.

Não venham tirar de mim o restinho do que tenho. Deturpam minha integridade... invadem meus pensamentos... substituem meus princípios... questão de sobrevivência, e não de vivência.

Vestí-me e antes de sair, olhei para o lado. Sim, do lado da porta de minha casa... meu cetro... minhas adagas... pedras... caldeirão. Minha fé cheia de poeira. E percebi que não era apenas nos objetos. A poeira está dentro de mim.

Meu manto negro guardado dentro de um roupeiro, ao lado do da minha filhinha (E como é prazeroso fazer nossos rituais juntas! Aquelas pequenas mãos pegando suas rodelas de maçã... erguendo e dizendo: "mãezinha do céu, cuida de todos os teus filhinhos!"), talvez seja a maior prova de tudo isto. Ensinei meus filhos a chamar a Lua de "Mãezinha do Céu" desde que aprenderam a falar. A única coisa que não se pode tirar de uma pessoa é a fé, seja ela no que for.

Foi correndo até o trabalho que pensei em como isto tudo é semelhante a uma inquisição. E talvez fosse melhor ser queimada. Assim eu morreria. Porém, continuo viva de corpo. A única coisa que me consome é o tempo. E corro para a janela do prédio toda vez que ouço o barulho da água que bate no telhado...na estrada, nas folhas. Pelo menos poderei olhar, já que não me é permitido sentir. Não me comunico mais com o invisível. Tenho praticado auto-negligência.

A inquisição que acaba com mais uma sacerdotisa. O inquisitor: o tempo. Meu único inimigo. Poderoso, intransponível. Passa por mim, e às vezes nem vejo.

"E aquele que pensa em procurar-me, saiba que procurar apenas e ter compaixão não o ajudará, a menos que conheça o Segredo: que aquilo que não procure e não encontre dentro dele, então nunca o encontrará sem ele. Para verem, eu tenho estado contigo desde o Início; E Eu sou aquilo que se alcança no fim do desejo". (Trecho da Grande Exortação.)

Ó Grande Mãe... mãezinha! Tu que sabes de todas as coisas, e enxerga até o que não podemos ver... cuida de mim e dos que amo... e dos que não amo também... continuo sendo apenas tua filhinha... em silêncio... mas tua.

Caroline Garcia Cruz
Enviado por Caroline Garcia Cruz em 13/05/2009
Reeditado em 14/05/2009
Código do texto: T1591650
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