À minha mãe

Há um sentir que não se deixa captar pelas palavras. E, no álbum interno da minha memória, as sucessivas imagens me trazem você simplesmente sendo, fazendo, agindo, rezando. Contempl_ativa, no exercício de viver que nos encantoa em cada fato, em cada ano, em cada mês, semana e dia.

No tempo.

Minuto e segundo e uma olhadela sua mudava o curso da minha ação, às vezes para cima, às vezes para baixo. E como eu sabia que sempre precisamos de ilusões, quis crer sempre que o topo da experiência benfazeja era tudo o que me poderia desejar enquanto a existência fosse meu chão.

Na flexibilidade.

Estou, ainda, tentando fazer um existir com valor. Mas o mundo ainda assusta. Os humanos ainda nauseiam. Às vezes me pego arisco. Na sozinhez, jamais, que o que eu sou é estendido aos demais. Exato aquele modo que habitava sua memória e da qual me falava, contando os agires de cada uma de suas personagens.

Na vinculação.

Sua presença em minha vida não foi nem maçante nem etérea. Acho que soubemos dar o devido peso à relação. Por eu ser um dos últimos, imagino, isso era mais fácil pra você. Eu, filho, tive de tomar em minhas mãos o meu próprio caminho. Você, porém, lado a lado, presente.

Na pertença.

Tudo isso que tento escrever, sinto, você capta diretamente do meu pensamento, antes mesmo de eu digitar. Por isso o sentir é imponderável. E ele se basta. Nada é preciso explicar.

Na compreensão.

Sua presença silenciosa revela o que você é e eu a entendo. Creia-me: mais do que isso sairá da justa medida, e me trará enfado. Sobrará.

Na mesura.

Mãe, você é daqueles seres inefáveis. Como disse o filósofo, daqueles seres em face dos quais tudo o que me é possível é o me calar.

No ser.

Sim. Você aí. Eu aqui. Somos.

Contrariando os que dizem que a perdi.