Carta Para Moncks

Caro Sr. Moncks:

Muito agradecido pelo retorno!

Gostaria de primeiramente me desculpar por não poder ter comparecido, como pretendia, na Feira do Livro, no dia seguinte ao nosso encontro. Um amigo meu estava passando por alguns problemas familiares, e fiquei conversando um pouco com ele. Era um momento em que ele estava necessitando de uma palavra amiga. Aliás, como já diria Chico Buarque, problemas na família, quem não tem? Se bem que o que penso é que problemas familiares não existem, a própria noção de família, incurtida pela nossa querida Igreja Católica, que é o real problema... A partir disso se formam noções de hierarquias, de inferioridade e de possessividade no núcleo que deveria ser o mais livre e afetivo de um ser humano...

Se chamei o senhor de "Seu Moncks" antes, digo-lhe que é somente devido a querer mostrar respeito à sua pessoa. Acho que essa idéia de novo ou de velho é um tanto quanto errônea, pois tudo é um continnum, nada surge do nada, como a própria História nos mostra. O "novo" que despreza e/ou desrespeita o "velho", mostra profunda ignorância, e vice versa, pois ambos são como um ying yang, um só. O "novo" é a criação em cima do "velho", e há também o "velho" que ressurge como "novo" (principalmente quando um povo não tem memória). A moda mostra isso claramente, bem como as novas versões "jovinicadas" de grandes sucessos da MPB. Portanto, creio que não há nem "velho”, nem "novo", o que há é a nossa mente separando a existência.

Gostei muito daquele dia em que o senhor me ajudou na escrita. Foi muito válido. Percebi que o senhor tem uma grande profundidade poética, e uma capacidade ímpar de passá-la através de poemas. Modifiquei o poema que o senhor apreciou; dei-lhe o título de “Prefácio”. Ficou muito profundo, graças ao senhor. Porém devo enfatizar que meus ideais estão bem estabelecidos. Eu me recuso a escrever de forma branda, exatamente pelos fatos citados pelo senhor. Não escreverei de forma branda por que não consigo. Sim, quero organizar a mediania contra a minha pessoa, pois procuro provocar essa mediania, pois se existem pessoas medianas, deve-se levar em conta que em grande parte não é culpa delas. Não escreverei o que a maioria escreve, não falarei sobre o visível, sobre o que todos vêem: busco mais a esência das coisas.

Vi que o senhor não gostou das linguagens fora do português nos meus escritos. Aprecio citações em latim (pois sempre gostei e estou começando a aprender, e tudo é mais prazeroso enquanto estamos aprendendo). Se houver algum erudito em latim que porventura venha a me criticar, como o senhor disse, mostrando que não sei latim, tudo bem. Saberei que ele estudou o latim a fundo apenas para sentir-se maior que os que não sabem. Serei importante no seu processo de auto- afirmação.

Quanto ao Inglês, não me importa o contexto de capitalismo – a linguagem não é a culpada disso. O Inglês é uma estrutura de linguagem que instiga muito a interpretação, não é uma linguagem pronta e enquadrada como o português. É aberta e de fácil assimilação. Aprecio buscar o original de um escrito, e apesar de não saber a língua, não me privarei de citar o original quando me ocorrer. Por certo o senhor já viu algumas dublagens, algumas versões brasileiras de originais... e com certeza reparou em quanto significado se perde com isso.

A minha arte é pra quem souber apreciá-la, pra quem souber do que se trata, e pra quem não souber e se interessar, procurar saber. Não busco ser escritor profissional ou lucrar com meus escritos, mas sim me expressar como ser humano e instigar novos prismas nos leitores; causar espanto e repúdio no medíocre e risadas nos esclarecidos. É pra cutucar a ferida, cutucar a noção de “certo” das pessoas, pois não existe “errado”, somente nossas noções de errado. Talvez por isso a poesia venha perdendo cada vez mais adeptos, pois não há normas nela. Como criticar algo sem normas? Como mostrar que se sabe mais, que se é melhor? Não há graça nisso para quem procura inflar o ego.

Há somente como melhorar a poética, por evolução, por assimilação expressiva, como o senhor fez comigo. Mas não há como qualificar. Sendo assim, perdeu a graça para os grandes conhecedores de poesia. Antes era melhor: podia-se enquadrar mais, haviam limitações, haviam métricas, rimas e outras regras para se dizer o que era um bom poema.

O senhor com certeza me ajudou e pode me ajudar muito ainda, e ficaria muito grato se isso ocorresse.

Quanto às poetisas que o senhor citou na sua carta, vejo que é um fato comum à maioria que se considera poeta. Há até uma “poetiza”, muito respeitada aliás, que vende seus poemas por dez reais. É incrível como as pessoas não têm tato, como só voltam seus afazeres e todas suas ações para o bendito dinheiro. Ela parece que não se importa muito com a arte em si, apesar de ser considerada poetisa. Vende seus poemas por dez reais. Sim, claro que uma melhora visual é necessária, pois um poema nunca custaria tamanha exorbitância. As pessoas procuram uma imagem, uma simetria agradável. Então, ela coloca seus poemas “enclichezados” em folhas cartonadas, em papéis grandes, coloridos e cheios de imagens decorativas, e os vende de forma oportuna conforme o contexto (dia das mães, dos namorados, dos pais e milhares afins). Dessa forma, a poesia entra no mesmo sistema carniceiro de datas festivas, comemorativas, que existem somente pra girar o comércio. Mas as pessoas seguem esses contextos, é afável seguir o estabelecido, é bacana, você é adequado se faz o que deve ser feito.

Essa noção, dessas poetizas citadas pelo senhor, e por essa que citei (não cito nomes, pois além de não ser nada pessoal, é o comportamento comum), difere da minha noção de ser poeta. Querer ser poeta é uma coisa, forçando a barra... mas ser de fato é algo muito diferente. Exige percepção de mundo, exige esclarecimento e absorção, muito antes do que uma boa rima que agrade imbecis e encha o bolso. O senhor me explicou a diferença entre poesia e poema, e isso foi um gatilho muito grande para compreender melhor o que é ser poeta: a poesia não é um poema. A poesia não tem palavra, não tem nada. Chamam de poesia o que no oriente chamam de TAO. O poeta nada mais faz além de uma ponte entre o tao e a matéria (poema). Já o poema é o físico da coisa, é TAO em matéria , em verbo. O pintor expressa isso de forma física pintando, e o músico compondo ou executando...

Mas não me venha querer vender poemas cartonados por dez reais! Uma obra se paga pelo esmero em ser feita, pelo material usado, e um poema... ora um poema! Nada mais barato e singelo do que isso! Se essa senhora vende um mero poema por uma exorbitante quantia dessas, admite ser penoso para ela desenvolver um poema, uma vez que não é pela despesa em matéria-prima...

Bom, Seu Moncks, vou ficando por aqui. Um dia desses, quem sabe, a gente se reencontre. Publicarei os meus trabalhos no site, como o senhor recomendou.

Bons ventos o levem, senhor Moncks!

Samirgal
Enviado por Samirgal em 26/05/2006
Código do texto: T163137