A casa da vovó é realmente uma beleza!

Caríssimos,

Há muito venho notando que a ausência de vó tem deixado o ambiente sem cor. A casa velha, rodeada de lembranças, grita uma história escrita com muita disciplina e carinho. Não a vemos mais lá, mas o seu espírito vive em meio aos escombros da antiga casa da fazenda, na qual por muitos anos todos corremos e brincamos e aprendemos.

Quanta saudade!!!!!!!

Saudade das histórias contadas na cozinha, onde sentávamos no pilão de fubá entalhado na madeira. Lá sentávamos enquanto vó Adélia nos dava lições de vida e de caráter e mostrava uma força descomunal de mulher, pois ficara viúva bem jovem e com oito filhos para criar. E criou a todos sozinha, tendo como apoio os seus próprios filhos, um cuidando do outro e todos aprendendo uns com os outros.

De madrugada ela acordava para ordenhar o gado, ou melhor, supervisionar a ordenha, dar a comida das galinhas e dos porcos e cuidar do café, fazendo aquele cuscuz de milho ralado que mais parecia um manjar dos deuses. Leite fresquinho e ovos apanhados todos os dias nos ninhos... dá até para sentir o gosto!

Tudo isso inspira saudade! E as noites de São João?!!!!! A grande fogueira acesa no meio do terreiro, nós sentados no alpendre a ouvir histórias de João Valentim, que ora nos amedrontava, ora nos enchia a cabeça de imaginação e fantasia. E tudo era uma festa!

O doce de leite... Ah, o doce de leite! E o doce de pão, todos pendurados no arame em cima do fogão de lenha! De tanta saudade eu tenho chorado. Em busca do passado presente tenho lutado e em face da saudade daquele tempo em que nós sabíamos amar e não compreendíamos é que escrevo esta carta para salvar as nossas memórias.

As tardes da semana santa, quando ela pescava piabas e eu me sentava no cepo de mulungu para tratar. Era um prazer. Na minha infância florida era um orgulho ajudar a vovó, que ficava olhando de longe com um olhar de reprovação ao trabalho feito, mas de orgulho de perceber que eu queria fazer alguma coisa para ajudar.

Mas o tempo passa e arrasta consigo tudo o que amamos, tira de nós todas as lembranças, as saudades, as pessoas, as esperanças... as mudanças. De vez em quando, matreiro feito moleque esperto, nos une a todos como se quisesse trazer de volta aqueles momentos eternos de nossa infância distante e derrama perante nós tudo o que jamais seremos de novo.

Voltar àquele lugar é viver tudo aquilo novamente. Basta fechar os olhos para ouvir vovó Adélia gritar: -“Menino, tange as ovelhas pra não entrar na roça, menino!” E esse grito soa como música na nossa saudade. A vontade de sentir de novo aquele abraço não permite que o passado fique no passado sempre e mesmo distante, é como se pudéssemos viver novamente a alegria de poder ouvir as palavras austeras de vó Adélia a nos ensinar o caminho certo.

Cuidemos, meus caríssimos, para que nada se perca nas ondas do tempo de modo efetivo, pois é a nossa identidade, a nossa força, o nosso sonho, a nossa história que estaríamos mandando embora junto com ele.

Um abraço caloroso.

Beth Ferreira

Obs.: Este texto foi feito em homenagem á minha avó, Adélia de Deus Lima, que foi para mim e meus irmãos uma pessoa muito importante. Sei que se ainda estivesse entre nós,muito teria a nos oferecer, pois a sua presença sempre foi tudo para nós.