Imprescindível a essência

Não quero contar história. Não quero falar de passado.

Minha manhã de hoje já é um passado.

O que farei é falar da essência. Da minha essência.

Custou-me tê-la? Sim.

Foi preciso que eu colocasse remédio nas feridas.

E que eu derrubasse montanhas.

Colhi muitas flores pelos caminhos.

Vermelhas, amarelas, rosadas.

Nenhuma azul.

E, no entanto, foi pela flor azul que derramei

um oceano numa fogueira.

E foi pela flor azul que me tornei o que sou.

Pelo trajeto aprendi que a aparência não modifica o conteúdo.

Apenas o mascara.

Os meus sonhos não ficaram na vitrine. Não foram entalhados.

Não ficaram ali estáticos para que uns e outros pudessem

fazê-los de mira.

Os meus sonhos desafiaram-me. Eles me tiraram da caverna,

apontaram-me as armadilhas e mostraram-me os encantamentos.

Ouvi além da audição. Ouvi o violino a procura do melhor tom

para que a melodia fosse pura. E sacudi a verdade: a que me

disseram ser absoluta.

Não era. Não há uma verdade absoluta. Há, talvez, uma

contemplação do que seria absoluto. E que poderia ser reverenciado.

Mas não fiz essa reverência.

Estanquei o suor inútil. Valeu-me as voltas diárias pela busca ao

entendimento. E valeu-me, muito mais, a não aceitação dos

precipícios. Existiram? Existem? Existirão? Sempre.

Criei pinguelas, pontes, viadutos. Os meus precipícios ainda

irei bordá-los numa seda. Não ferem ninguém e agora, nem a mim.

Errei? Muitas vezes. Acertei? Se não for acerto absoluto, diria que sim.

(Também não há acertos absolutos)

Foi pela ousadia e pela coragem que busquei a mais linda flor.

E, devido a ela, preenchi a minha alma com a mais perfumada

essência.

Meus sonhos não modificaram, não contaminaram, não enlouqueceram o mundo.

Mas a minha essência encontrou a luz.

E, após isso, a escuridão tornou-se imensamente tátil.

É imprescindível a essência.