CARTA AO AMOR QUE SOBREVIVEU AO TEMPO E AS PERDAS


 
Quisera me desnudar completamente, sem reservas, pudores ou medos. Sinto urgência em te mostrar quem realmente sou, o que penso e, especialmente, o quanto foi determinante te (re)encontrar.

Recordei o trecho dum livro de Khalil Gibran e vi o quanto traduz a sensação que me assalta agora e durante todo o tempo onde pude tê-lo ao meu lado, quando compreendi o significado ser “tocado” por alguém. Diz assim:

Você é o meu único consolo, embora esteja do outro lado deste mundo. Os seus dias são minhas noites. Mesmo assim, quando eu caminho você está perto, quando eu trabalho você conversa comigo e, quando sento-me sozinho para comer sua presença surge ao meu lado. Há momentos em que sei que não há distâncias entre aqueles que se amam.


Surgiste em minha vida de maneira tão inesperada e até sem sentido; no momento em que me achava tão vulnerável, assustada, completamente sem rumo. Sem esperanças... onde havia me tornado uma alma perdida, carente, sedenta de ternura e sonhos.

Havia me traído, sem pensar, sem sentir, sem querer... buscando ser quem não era; desprezando a divindade que existe em mim, por não me aceitar, por não me amar, por não saber me perdoar...

Todo o meu conhecimento se resumia a uma equivocada idéia de doação; sendo que, na verdade, me anulava em busca de agradar... tão desesperada em ver correspondidos meus apelos silenciosos.

Sentia-me só... acostumada a sorrir e não demonstrar sofrimento; ingenuamente acreditando encontrar alguém que percebesse o que se passava comigo e me resgatasse... arrancasse-me do casulo. Eu ainda não compreendia que seria necessário optar e sair sozinha e que, esta, se tratava duma jornada íntima.

Confundia o amor e a paixão com fuga; agindo assim tantos anos, oferecendo carinho em troca de gratidão ou pequenos instantes que amenizassem o vazio ou me propiciassem a ilusão de estar livre. Porém, nunca entreguei livremente o coração, a confiança irrestrita... jamais deixei-me conhecer de fato. Sempre me sentindo tão pequena e sem valor... incapaz de se realizar... covarde a vida inteira... contentando-me em despertar admiração e suprindo carências dessa forma.

Pois, foi o que fiz! Tornei-me pequena boneca a ser observada através da vitrine, mas, nunca tocada! E como queria ser e não sabia demonstrar!

Não foste tu e sim a tua presença o impulso à compreensão! Compreensão dos desejos mais profundos e fragilidades! Deixei de ser solitária e nunca duvidei que estivesses ao meu lado apenas por mim!

Ensinaste-me que a importância do afeto está em dividir as pequeníssimas coisas, como músicas, sorrisos, madrugadas, telhados, lágrimas, dores cotidianas, frustrações e sonhos...

E sabes o que me ensinaste ainda?

Que pessoas, pessoas muito especiais, fazem parte de nossa estrada por um determinado período. O tempo exato para que cumpram a sua missão. E depois nos deixam. Não por nos esquecerem ou não nos amarem mais; e sim porque uma Força Superior as impele por outros caminhos, nem sempre desejados, contudo, vitais.

Quando alguém sai ou quando saímos da vida de alguém é como fosse arrancado um pedaço do nosso existir, dos nossos planos, de tudo o que nos é mais caro. E é ainda mais doloroso se não tivermos entregado o máximo do nosso bem querer e da nossa amizade.

É tão triste passar pela vida de alguém e imaginar que nada acrescentamos e que não permaneceremos no espírito do outro. Porque quando tocamos a alma de alguém permanecemos para sempre, nas lembranças, no carinho, na saudade e, principalmente, na resolução de sermos sempre melhores. O amor faz isso conosco. Obriga-nos a ofertar o melhor ao mundo, à vida, às pessoas – sem trocas.
E é tal amor que me “obriga” a entender o fato de nossos destinos seguirem rumos diferentes.

NUNCA imagine que me causou dor. Qualquer lágrima que venha a derramar será de saudade.

Quero te dizer e não se esqueça disso: tu foste instrumento de Deus em meu resgate. Eu morreria se Ele não te enviasse, pois, existem vários tipos de morte que não apenas a do corpo.

Obrigada meu anjo da guarda e meu amor! Deixa o tempo passar e tudo ficará em seus devidos lugares! Obrigada por me retirar da vã filosofia para receber a educação do sentimento mesclado à razão! Obrigada por me amar e me mostrar que o amor se faz, também, na renúncia e na ausência.