Meu querido amigo,

Não sei se aceito bem que tudo seja diferente no tempo seguinte. Não sei. Passo todos os dias pela mesma praça. Ela continua lá. Parece igual.

Ah, já sei que vai dizer-me que a plantinha cresceu, um galho caiu, o pássaro se foi, fugiu e que, por ela, passam agora outras pessoas. Não as mesmas. E vou ter que aceitar estes seus argumentos da idéia de ela estar diferente.

Penso que o sol muda de posição conforme a estação e o vento sopra em outra direção. Mas, para mim, isto seria diferenças climáticas. E, assim, não valeu.

Chama-me a atenção ver outras crianças em bicicletas modernas, muitos cães abandonados, mais lixo dos incivilizados. Vejo mais desocupados. Ou seriam desempregados? Reflito que há em tudo um ar de abandono, e fico meio melancólica na tarde cinzenta..

Sinto o tempo passar mais rápido. Sinto o medo de ser assaltado me assaltar e não cumprimento mais a todos. Me recolho. Calo. Encolho. Percebo isto nos outros também. O sorriso aguardado fica guardado. Se puxo conversa, a resposta é mínima, como tudo hoje em dia parece ser. Eu sento, mas sentindo que invado a privacidade do outro. Será que é esta a solidão urbana?

Nem vi aquele senhor aposentado...Terá morrido?  Me vem a imagem do tímido sorriso, seu cachimbo cheirando chocolate, a boina de lado, o cãozinho sapeca, o ar de bonomia; tudo dele me faz falta - percebo isto só agora que o perdi. Não é assim a vida? Esperamos perder algo ou alguém para conferir-lhe o seu valor.

Olho a praça. Será que você tem razão? Não é mais a mesma? Ou sou eu que estou diferente de ontem? Como não sei responder, torno-me inquieta, levanto-me, atravesso a rua; aperto o botão do elevador e volto para o meu apartamento. O mesmo de quando sai. Será?


Não sei se anoitece na praça ou se é dentro de mim...

Silvia Regina Costa Lima
12 de agosto de 2009



 
SILVIA REGINA COSTA LIMA
Enviado por SILVIA REGINA COSTA LIMA em 03/09/2009
Reeditado em 27/07/2014
Código do texto: T1789940
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