Carta a um Desconhecido

A minha vida toda, senti-me uma espécie de telespectadora da vida humana, via pessoas á minha volta, rindo... Amando!Sempre tão cheias de sentimentos, sentimentos esses, que até hoje não os compreendi totalmente, minha família sempre presente tentando sem sucesso que eu me encaixasse nos padrões existentes nessa sociedade distorcida em que vivemos (às vezes penso quem são os verdadeiros loucos, nós, ou eles?) até que finalmente eles desistiram, viram em mim um caso perdido. Logo, meus amigos também deram-me como causa perdida e lentamente,um a um,desistiram.Muitos acham que sou assim por que gosto,oras,por que afinal, uma jovem garota com um aparente futuro promissor, pode ter se desvirtuado para uma estrada sem saída? Já não me importo mais com o que pensam. Considero-me órfã, aos 8 anos de idade vi meu pai morrer,e meu relacionamento com minha mãe é marcado pela indiferença.Ah, a indiferença! Não sei se concorda, mas acho que indiferença é um dos piores sentimentos, pois a rejeição, que para muitos é a pior, é uma demonstração de sentimento ainda que desagradável. Mas indiferença... Ela é capaz de te matar um pouco a cada dia, bem devagar.

Há dias em que nada sinto, de nada tenho vontade, nada... Um grande buraco negro. E em alguns dias, quase não suporto estar em minha própria cabeça, sou testemunha de meus pecados, sejam eles morais ou carnais. Um sentimento de ambigüidade me invade: Como posso não sentir nada, e ao mesmo tempo, sentir tanto?Veja, não me importo nem mesmo comigo mesma, machuquei,usei pessoas terrivelmente, menti compulsivamente. Não tenho a certeza de que estou escrevendo com coerência esta carta, pois são tantos pensamentos!Perdoe-me caso não haja nexo.

Muitos foram os meus vícios,tive que encontrar uma forma de me entorpecer, fugir de mim mesma.Por algum tempo pareceu ter efeito.Até que um único pensamento passou a me acompanhar,dia e noite, o único modo de fugir completamente era me entregar aos braços da morte!Resisti bravamente, procurei alternativas, mas por onde quer que eu olhasse, os olhos da morte me acompanhavam,apenas esperando.Até que...Um dia,um daqueles dias em que o buraco negro me dominava, peguei uma tesoura.Aquele primeiro corte não tão profundo não doeu, e fiz outro,e mais outro...E constatei simplesmente, que nem ao menos os cortes eu sentia!

Ironicamente, foi essa constatação que me impediu de continuar até o fim, percebi o quão longe eu tinha ido, olhei ao meu redor e de um jeito que até hoje considero inexplicável, uma certeza me dominou: Ainda não era à hora de desistir! Tornei-me mais satisfeita com a vida também, e hoje, a cada momento que percebo a morte tentando me puxar novamente para os seus braços, eu luto com uma determinação renovada. Mas carrego até hoje as cicatrizes físicas e mentais daquele dia. Estou marcada para sempre com o estigma da covardia, da certeza de que já tentei desistir antes mesmo de começar. Engraçado... Uns tentando tanto continuar neste mundo, e outros, como um dia já fui, tentando de todas as formas sair!

Adquiri conhecimentos obscuros, que ao contrário do que muitos pensam, fizeram-me ver a beleza da vida, passo agora grande parte de meu tempo tentando compreender sentimentos que sempre foram um mistério para mim, como o amor. Ah o amor! Já o sentiste? Escrevo textos, cartas, poemas de amor, imagino, realizo em meu pensamento amores intensos!Mas nunca o senti, tentei, afinal, é isso que é a vida ,não é mesmo?Amar!Ou passar a vida tentando. Passamos a vida toda tentando achar alguém com quem podemos nos conectar, alguns de nós tem sorte, já outros, se fecham e jamais conseguem. Não sou assim, não quero ser assim! Quero amar, quero me conectar a outro ser, quero sentir essa ligação entre duas pessoas, essa ligação que passa do sentimental para o carnal, e vice versa!

Já tive relacionamentos que por si só foram tão vazios e sem significado que já nem os considero mais, já fui amada, fui um dia o mundo para alguém, mas infelizmente, esse alguém nunca foi o meu mundo. Embora eu tenha tentado, e como! É como se não importa o que eu faça esse grande vazio dentro de mim não vai embora, essa falta de sentimentos para com a vida me escapa, eu a compreendo, mas não a sinto. Em momento algum.

Como pode ter percebido, não sou poeta e nem mesmo tenho a pretensão de ser. Não tenho o dom, mas ainda assim, a escrita é minha companheira constante e mais leal, pois é nela que me liberto do inferno á minha volta, é nela que grito um pouco meus desesperos, escrevo coisas inconfessáveis na fala. Um sutil e ineficaz pedido de socorro.

Não sei se você irá se identificar com o que lhe confessei, mas obrigado!Pois você, que é um estranho sem rosto para mim, que está longe e ao mesmo tempo próximo, leu meus segredos. Fez-me abrir o sótão de minha mente, onde guardo coisas enterradas que horrorizariam todos a minha volta, mas que me sinto confortável em confessar-las para você. Um estranho sem rosto.

Gostei de te escrever, gostastes de me ler?

Gabriela F H
Enviado por Gabriela F H em 21/09/2009
Reeditado em 04/02/2010
Código do texto: T1823818
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