O diário da mulher fumaça

Por que revirar o passado? A dúvida do futuro se sabe, se conhece. Mas o que há no passado é a dívida isso atrai e inquieta as mentes mais serenas, dorme-se com as dúvidas perde-se o sono com as dívidas... Diante de um solo insólito cavamos para construir algo e assim é com o tempo para se edificar uma vida é necessário o chão seguro para fincar as fundações. O futuro é a areia que voa com o vento bate no rosto e sega os olhos seja por eles estarem fechados ou meramente afetados pelo que lhes é estranho. Pisamos no presente. Mas para construir sobre o presente temos de procurar as camadas profundas do passado, encarar os fantasmas e descobrir o que queria ou podia ter sido diferente. Modificá-lo ou aceita-lo como motivo das coisas. Partindo desse ponto e só dele temos a história de uma vida.

A paixão que ela inspirava nos homens nunca passou de uma sensualidade vazia, dentro dela não havia a flor que exalava o perfume de sua pele. Havia uma coragem torpe banhada no ópio do estoicismo, remédio para a vida que levava.

Era fumante. Considerava-se fumante não-social, pois fumava apenas os cigarros essenciais a todo o fumante, excluindo os das refeições, fumava após os momentos de luxúria.

"A luxúria que sinto não é sentimento meu, vem dos outros não é natural de mim. E quando se vai precisa ser substituída por coisa qualquer, não sei o que vem dentro da cigarrilha além de tabaco; mas em algum lugar há um placebo para luxúria partida... "

E a pagina foi fechada antes que os três pontos ganhassem complemento naquele caderno nada terminava antes de um ponto final. Leitura interrompida pelo barulho da porta abrindo e por ela entrando um corpo esguio de mulher, braços como hastes envolviam embrulhos e a luz que entrava pela porta do vestíbulo escuro torna impossível enxergar muito mais que os contornos dessa mulher de fumaça. Afinal o que era ela além de contornos?