Carta ao passado

Venho aqui compartilhar com a menina que fui no passado, as frustrações e o vazio da menina do presente.

Conheço profundamente os seus sonhos. Os sonhos que você planejou viver quando chegasse a idade que tenho hoje. Conheço todos os dias de felicidade, de liberdade, diversão, aventura, alegria, que foram idealizados, vividos e revividos em sua mente deitada à noite na cama, esperando o ônibus, nas aulas mais chatas de geografia...

Sei que essa era a sua forma de fugir da realidade. Representava a esperança de um dia realizar tudo o que o não podia ter naquele momento. Lembro do seu sorriso ao imaginar cada detalhe: os cenários do piquenique ao lado de alguém especial, as juras de amor, um cinema no final de semana, as brigas seguidas de reconcliações, os bilhetes românticos.

Não sei exatamente em que momento deixei de ser você e passei a ser eu. Vim aqui te procurar, saber se existe a chance de você voltar, ao menos em parte, a habitar esse coração. Sinto sua falta.

Hoje eu não sei mais sonhar. Minha vida tornou-se uma repetição de obrigações, uma sequência de dissabores, de frustrações e vazios. Por minha própria vontade, ou não, me refugio na solidão no trabalho e quando este já me toma todas as horas disponíveis do dia, reclamo do excesso de ocupações e nos momentos de ócio enxergo o vazio e ouço o silêncio que me cerca.

Devo lhe alertar que as amigas com as quais você convive diariamente aí no passado, vão continuar suas amigas, mas muito mais por um laço construído há muitos anos do que por real participação na sua vida. Ao encontrar com elas vocês vão conversar sobre o tempo, sobre as disciplinas da universidade, mas tudo sem a mesma intensidade e a mesma alegria de antes.

Mas não pense que não tenho amigos. Tenho sim. E eles são maravilhosos. Mas amigos fazem parte de momentos das nossas vidas. Os momentos passam e os amigos ficam com eles. Mas não se importe com o que digo. São apenas desabafos de quem já passou por boas na vida, coisas que você ainda nem imagina.

Gostaria que você voltasse a me habitar novamente. Venha me visitar qualquer dia desses, venha me fazer lembrar o quanto é bom deixar a mente livre pra simplesmente projetar, imaginar coisas absurdas, fantásticas, apaixonantes! Esqueci como é ser como você. Juro que já tentei várias vezes, mas perdi a prática, coisa de gente velha.

Pensando bem, convido-a apenas para passar o Natal, o Ano Novo e as férias. Depois, sinto muito, mas terei que mandá-la novamente ao passado. Temo que ao ver o que o futuro fez comigo e com meus sonhos, você se torne uma pessoa como eu, que se frustrou com as surpresas da vida e perdeu o brilho no olhar. Por mais que a saudade aperte meu peito, prefiro lembrar de você assim, do jeito que é aí nos seus 15 ou 16 anos e saber que um dia, você já pensou que seria feliz no futuro que é o meu presente hoje.