METODOLOGIA RADICAL

Carta aberta a professora Edelvira.

Estimada professora, devo começar minha carta apresentando-me, pois tenho certeza que a senhora não se lembraria de mim, por conta do tempo já transcorrido. Fui seu aluno no Colégio municipal aqui do bairro, penso ser desnecessário citar a cidade, mas como faço questão de ser identificado, cito-a: Feira de Santana. Na época eu devia ter entre 10 a 12 anos e cursava uma das séries do ensino fundamental. A senhora era minha professora faz tudo, visto que ensinava durante toda a semana as disciplinas constantes daquele currículo, inclusive a matemática, excepcionalmente nas sextas-feiras.

Entre todas as professoras que ainda estou tendo, nenhuma até aqui, deixou lembranças tão marcantes quanto à senhora, felizmente, agradabilíssimas por conta da metodologia de ensino/aprendizagem usada por vossa senhoria. Como já se passaram muitos anos seria até compreensível que a senhora nem lembre mais destes métodos aos quais me darei o trabalho de lembrar-lhe, com muito prazer.

Durante toda a semana a senhora ensinávamos ciências, geografia, português, história, religião, etc. e inclusive matemática. As marcas ficaram exatamente nesta última. A inesquecível professora realizava nas sextas feiras o que chamava de “Sabatinas” e nós chamávamos de “Turturinas”, pois, aos infelizes alunos que não acertavam as suas perguntas de matemática, a senhora separava-o em um canto da sala. Os expurgados teriam até o final da aula para lembrarem-se da resposta correta. Em se lembrando, eles voltavam para suas carteiras e continuavam na turturina, digo sabatina. Aos que não lembravam a resposta até o final da aula recebiam como castigo pequenos serviços como: varrer a sala, varrer o pátio, arrumar as carteiras em fileiras no final da aula, entre outros serviços. A compensação Polianista nestas tarefas é que nunca era realizado apenas por um aluno, visto que os cantos de paredes da sala de aula sempre ficavam repletos de esquecidos de matemática.

O que poderia ser um castigo acabava se tornando uma grande farra entre os premiados. E eu para variar sempre estava no meio deste pelotão de forçados voluntários. A metodologia era muito simples. Ou aprendia matemática ou aprendia a limpar o colégio. O difícil não era limpar o colégio e sim aturar a gozação das outras turmas que sempre sujava o pátio para ver os voluntários limparem.

Por causa deste método que tinha mais haver com higiênicos do que pedagógicos, tive que dedicar alguns poucos minutos de estudos para a matemática a ter que aprimorar técnicas de limpezas. Hoje apesar de não concordar que “os fins justificam os meios”, devo admitir que no meu caso a metodologia usada por vossa senhoria, funcionou. O pouco de matemática que aprendi remonta àqueles tempos da tabuada, infelizmente não mais que isso, ta-bu-a-da.

Hoje, passado muitos anos, sempre que encontro colegas daquele tempo e daquela turma e até mesmo aqueles que sujavam para que nós limpássemos, é obrigatório relembrarmos de vossa senhoria e dos tempos em que baldes d’água, vassouras e pátio limpo eram sinônimos de metodologia pedagógica no ensino aprendizagem dos meus anos iniciais. Porém devo ser sincero em admitir que se não aprendi matemática em sua complexidade, não foi por nenhum trauma adquirido por essa metodologia.

Minha querida professora, apesar de reconhecer que esses seus métodos já não eram nada Freiriano para a época. Hoje então seria caso de polícia se eles fossem aplicados, principalmente com o rigor com que vossa senhoria os aplicava. Felizmente os recursos tecnológicos disponíveis atualmente, aliados a uma pedagogia de conteúdo cognitivo tem possibilitado que as disciplinas sejam ensinadas aos seus alunos sem a necessidade de imposição do educador, ou até mesmo com a ameaça de punição. Nada pessoal professora Edelvira, mas limpar aquele pátio toda semana e carregar aqueles baldes cheio de água pra lá e pra cá, para aprender matemática, foi um pouquinho demais não acha?

Feira de Santana, 30 de Novembro de 2009

ANTONIO RODRIGKS
Enviado por ANTONIO RODRIGKS em 10/12/2009
Reeditado em 15/06/2023
Código do texto: T1971654
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