CARTA A AMiR

Querido Amir: O que mais me toca nos teus textos é a pureza que já não tenho, que eu vivi demais, infernos e paraísos que tentei escrever e que já não consigo. Há coisas na minha vida que extrapolam qualquer lógica, a tal ponto que ontem escrevi, em determinado lugar da Internet, em momento de "escuro total da alma" da mais absoluta solidão: "Eu sou, efetivamente, a ovelha turva de qualquer família". Tentei fugir a este destino, tentei ser de algum clube que me aceitasse como sócia mas, depois de J. G. e de "Daniel" e de "Rubem", os dois antípodas entre si que me revelaram quem sou por trás de todas as máscaras, a "revolucionária" por dentro, a rebelde para além das causas, etc...etc...etc...sei que não posso pertencer mais, pra valer, a nada nem a ninguém, apesar de pertencer a todos ( não no sentido de prostituição física; talvez no sentido de uma certa prostituição metafísica, seja lá o que quer que possa vir a significar isso.) Estrangeira aqui e em toda parte: meu destino.

Por isso me toca o teu ser puro, o teu afeto puro. Porque é assim que te vejo: um ser feito de purezas. E agradeço pelo afeto, que não mereço, pelo qual agradeço. O afeto que tenho por ti é muito semelhante ao meu afeto pela Cecília, esse anjo que há tantos anos vela pelo meu destino e pelo de minha mãe, anjo sem cuja ajuda e presença eu não saberia o que fazer. É isso: meu afeto por ti é igual ao afeto que se tem pelos anjos ( entenda bem: pelos anjos humanos, de carne e osso, que pelos anjos de outra dimensão o sentimento precisa ser de outra natureza). No mais, sou só, só para além de qualquer palavra ou silêncio e carrego um COMPROMISSO que, doa o que e a quem doer, não posso e nunca poderei trair, nem em ato, nem em pensamento, nem na linguagem. É assim. Volto e meia passo por "tentações", mas a vida me joga de volta ao "real". E vá entender esta doida que carrega o meu nome!.E J. me diz, depois de mais uma internação na UTI do Hospital do Coração: "O maior medo da minha vida é partir sem ter tempo para me despedir de você." Ele diz e eu desabo a chorar.Pois é, esse ninguém com meu nome andou plantando afetos e compromissos assim.

Entende porque tudo é muito tarde, Amir? O que me dói é ter você regressado 25 anos depois para reencontrar a tua amiga de adolescência tão tarde assim.

Beijo de todo afeto

Z.