Carta nº XI - Carta ao meu Pai

Carta nº XI

Pai,

Hoje, não te escrevo à luz de lamparinas no silêncio da noite.

A parede que me rodeia é cheia de luz, clara, não como aquela pálida e oscilante luz de outrora. Minha mesa é de fina madeira, teclo num computador, e, a casa não é aquela de

de barro amassado, piso batido, telhado de capim, sem forro que deixava passar a ventania chorosa do pantanal.

De madrugada já não vou ao mangueiro soltar os bezerros, já não trato dos animais, cuido apenas dos pratos da Misha e do Bandit e dos passarinhos ( bem-te-vis, pardais, sabiás, joão-de-barros ) que fazem algazarra e me cobram a alimentação da manhã. Não, pai, não os tenho preso, são livres como o sol da manhã, apenas vem em busca do seu farnel diário. Os acostumei assim. São mansos e me premiam com lindos cantos.

Eu te escrevo, hoje, para te dizer que ainda vivo do amor que me ensinastes, como o mais nobre dos seres humanos, e, se em outras vidas retornar, e, isso deverá ocorrer face as minhas necessárias lapidações, gostaria de voltar a ser sua filha.

A saudade do teu carinho e da tua amizade leva-me ao Rancho Alegre de minhas recordações...

Gostaria de afagar as tuas mãos calejadas e trêmulas das lidas campesinas – que hoje transcendem a luz, pois já não és deste mundo onde sonhamos e sonhamos e quase nada realizamos.

A morte, meu pai, é parte da vida mas não dissolve os elos do espírito, por isso estamos sempre juntos, seres afins - na melodia do tempo.

Não a temo e a aguardo sempre, é verdade que nunca estamos prontos... mente quem diz estar apto para realizar a passagem... sobra sempre o imaginário - criações de nossas mentes.

O olhar se estende no infinito buscando o que esta além do incomensurável, e, o tempo se dobra, inclemente, e vejo surgir no horizonte, ainda que distante, palidamente, o caminho que seguiremos...

E sei que a qualquer hora estarei chegando para continuar a viagem pelo infinito porque aqui á apenas uma passagem, e, a minha espera sei que estarão os amigos de outras eras, e, tu meu pai ao lado de mamãe, frondosas árvores que me ofereceram sombra, dedicação e amor fraterno.

Até logo!

Delasnieve Daspet

DD_24-01-2010 – Campo Grande MS