ADEUS, MINHA FILHA

       Cleonice, você é a única filha que me faz sentir orgulho, sabia? Eu vou sentir muita saudade de você, meu amor. Muita...
     Mas eu já me decidi, estou indo embora. Não fique chateada com este velho pai aqui. Vai ser melhor assim, vai ser melhor. Eu estou velho demais para ficar vivendo com vocês, minha querida. Já me transformei num encosto, um incômodo.
     Ontem mesmo a sua filha, a Esmeralda, estava reclamando mais uma vez de mim. Eu vi ela comentando com uma amiguinha do colégio que a minha boca fede. Pede desculpas por mim depois pra ela, eu não devo ter lavado direito as minhas dentaduras, ou nem lavei, vai saber. Cabeça de velho é assim mesmo. Eu ando esquecendo cada coisa.
     Mas não briga com ela. Ela é adolescente, tem a vida dela pra tocar. Não vai ficar se importando com o avô, não é mesmo? Então, deixa isso pra lá. É só pra lhe mostrar o quanto eu estou atrapalhando. Inclusive outro dia, o seu marido também se mostrou incomodado com a minha presença, quando eu pedi para ele me levar na casa do Arlindo. Ele me disse que eu podia muito bem ir andando, e que tinha mais o que fazer do que levar um velho para visitar um compadre. Por final disse que tacou pedra na cruz, para merecer um pecado tão pesado quanto eu. Eu não retruquei minha querida, agradeci o seu marido por me acolher na casa dele, e fui para a casa do Arlindo, caminhando, bem devagar. Mas eu fui. E além do mais, ele tem muitas obrigações, né querida? E eu não tenho direito de tomar o tempo dele, ele está certo, querida. Ele está certo... Não discuta com seu marido por causa de mim, não discuta.
     Porque é justamente por isso que eu estou indo embora. Justamente para não causar discórdia dentro do lar de vocês. Longe de mim querer uma coisa dessas. Longe de mim... Quando sua mãe morreu, eu prometi á ela que não ia estorvar vocês, eu prometi.
     Então não fique triste com a minha decisão, minha filha. Me perdoe. Vai ser melhor assim.
     A Esmeralda agora vai ter o quarto só para ela outra vez, você não vai mais precisar acordar tão cedo para fazer café para mim, e o seu marido não terá que carregar mais uma cruz tão pesada.
     Além do mais, vai ser bom pra mim também. Eu já decidi procurar um asilo aonde eu possa morar. Onde pessoas queiram ficar ao meu lado, mesmo eu esquecendo de lavar as dentaduras. Onde não tenha adolescentes para gritar comigo, onde eu não seja estorvo pra ninguém. Onde eu possa jogar cartas, xadrez e damas. Ah, e por falar em xadrez, o meu tabuleiro foi a única coisa que eu levei daí da tua casa. Porque eu ganhei do Danilo e da Adriana, quando eu ainda trabalhava no hospital, e eu gosto muito dele. Ele é todo de pedra, lindo, acho que é granito...
     Assim como o meu coração, neste momento, de pedra. Que aos poucos foi endurecendo devido aos absurdos que fui obrigado a ouvir durante todos esses anos em que passei contigo. Mas você não tem culpa, e eu lhe agradeço por ter me acolhido por tanto tempo. Eu te amo, minha filha. Eu te amo.
     Eu não quero mais incomodar a sua família e atrapalhar a sua vida, minha querida. Mas eu te levo no meu coração. Pode ter certeza...
     Espero que um dia você vá me visitar no asilo, meu amor. Eu espero...
     Mas vê se não trás a Esmeralda, o pessoal aqui pode estar com a boca fedendo, aí vai ficar mal pros meus amigos, né? E também não trás o seu marido porque ele pode estar muito ocupado, minha filha.
     TE AMO! Um beijo do seu velho pai!

 
Elder Prates
Enviado por Elder Prates em 08/02/2010
Reeditado em 02/09/2016
Código do texto: T2075594
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