Me ajuda, mãe


     Mãe, esta já é a décima carta que estou lhe enviando. Acredito que a senhora não recebeu as outras. Ou então teria respondido. Mas desta vez eu fiz diferente, dei cem reais para um funcionário aqui, e acho que ele colocará a carta no correio ainda hoje. Vou torcer para isso. Estou morrendo de saudade da senhora, aí de casa. A senhora não sabe como é dolorido ficar aqui, o pai não precisava ter exagerado tanto.
     Aqui é frio, mãe. Ao mesmo tempo é abafado, muitas vezes eu fico sem ar. Sozinho no meu canto. Aqui tudo é muito branco, ás vezes não sei onde é chão ou teto. A senhora sabe que eu gosto de colorido, não é mesmo?
     Eu tô com saudade do meu quarto, do meu aparelho de som, da minha coberta Paraíba. Tô com tanta saudade do meu violão. E a Sabrina, mãe, como ela está? Eu tô doido pra vê-la.
     Ah, dá um beijo também na vó, na tia, no tio. E fala pro pai que eu o amo, mesmo a gente tendo as nossas diferenças. Ele é o meu herói, não é mesmo?
     Foi ele quem me ensinou a ser uma pessoa boa, decente. Me ensinou a respeitar as mulheres, as coisas dos outros. Foi ele também que me ensinou a dirigir, e eu lembro até hoje. Eu achava que não ia conseguir nunca aprender aquela coisa. Era primeira, segunda, ré, pisa no freio, acelera, troca a marcha. Pra mim era muita coisa ao mesmo tempo. Mas aprendi. E hoje, acho que dirijo até legal. Ele também me ensinou a empinar pipa, mãe. Só que ele não gostava muito quando eu passava cortante, isso eu tinha que fazer escondido, porque o pai sempre foi muito bravo. Mas colocar eu aqui foi exagero.
     Se ele quisesse realmente ter me ajudado, ele teria conversado comigo á respeito, teria me perguntado as minhas angústias, as minhas dores interiores. Ele teria ao menos me perguntado o motivo, mãe. Eu estava precisando de ajuda, eu sei. Mas do jeito que estou aqui, acho que vou é piorar. Isso aqui é uma fábrica de loucos, e não um lugar para cuidar deles. Até os funcionários daqui eu acho que são meio loucos também. Apesar de que aqui, não tem como não ficar doido. Todo dia convivendo só com maluco, uma hora você fica também. É igual sotaque, mãe... Você fica um mês num lugar aonde se fala diferente do que você está acostumado, e logo-logo você já tá falando igual aos locais. A convivência é tudo.
     E é por isso que eu quero sair daqui mãe, me ajuda. Eu sei que eu não sou louco, pelo menos ainda. Eu só cheirava cocaína. Mas nunca fiz nada a ninguém além do mal que fiz ao meu corpo. Nunca roubei, matei ou prejudiquei alguém para comprar droga. Eu só cheirava, e de vez em quando fumava maconha. Mas nunca maltratei ninguém.
     Me ajuda a sair daqui, mãe. Por favor!
     Fala com o papai e vem me buscar aqui nesse hospício. Diz para ele que eu vou procurar ser um filho melhor. Diz que eu tô morrendo de saudades de tudo, da minha família.
     Mas mãe, fala logo pro pai, porque não vai demorar muito para perderem o filho de vocês. Eu já estou bastante maltratado depois de que entrei aqui. Minha cabeça já está me traindo. Não vai demorar muito para eu começar a comer baratas.
     Fala logo, mãe. Pede pro papai vir logo me buscar, porque eu já estou ficando louco, e não estou aguentando mais...

 
Elder Prates
Enviado por Elder Prates em 08/02/2010
Reeditado em 03/09/2016
Código do texto: T2075720
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