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//////////// ( 11 / 10 / 1996 ) ////////////

Era uma manhã comum de sexta - feira . Eu dormia tranquilamente no meu quarto e o meu irmão mais moço tinha ido à faculdade . Fui acordado pela empregada , era um telefonema de uma prima minha muito querida . Atendi , claro . Ela me indagava : " sabia que o Renato Russo morreu ? " . Eu disse algo do tipo : " não acredito nisso " , e ela : " é verdade " . Desliguei , ainda com sono , e meio confuso das ideias , resolvi ligar a TV - nada , somente desenho animado . Fui para o som da sala e comecei a girar todas as emissoras de FM que eu ia encontrando , foi aí que veio à tona a dura realidade : praticamente TODAS elas executavam os sucessos da Legião Urbana , então parei em uma que tocava uma faixa solo do Renato , rádio voltada ao público mais adulto , e a locutora informou : " nossa homenagem ao RR , falecido hoje à 1h15min ... " . Fiquei mais triste ainda , mudei o seletor de estações e ouvi o Vitor Ramil dando uma entrevista em outra emissora , dizendo coisas como " Faroeste Caboclo " ter influenciado sua versão para " Joquim " , entre outros assuntos relevantes .

Na televisão , soube através do Jornal Hoje a infeliz confirmação do fato , só que as imagens eram de arquivo , nada muito recente , e eu sem entender o porquê de tudo aquilo .

À tarde , após o almoço , resolvi sair com um dos meus irmãos e mais um primo . Naquele instante , eu ficava me lembrando de uma frase : " e quando eu for embora / Não , não chore por mim " . Dito e feito , não saiu sequer uma lágrima dos meus olhos . Por sorte , no meu quarto havia uma faixa preta da turnê do disco " V " . Não sei de quem foi a iniciativa , mas enrolei - a na cabeça e saí andando por vários pontos de Porto Alegre com aquilo enfeitando a testa , e não senti vergonha nenhuma por isso .

Fomos ao escritório de um outro primo , ligamos o rádio e só Legião , Legião e mais Legião . Eu estava mentalmente sedado , na realidade em estado de choque . Horas depois , descobri que o site da banda também tinha colocado uma tarja negra , por motivos óbvios .

No Jornal Nacional , William Bonner dedicou uns 15min à tragédia , exatamente como está escrito no livro do jornalista Arthur Dapieve . Eu , na sala com um monte de gente , tive que fingir que não estava emocionado , fiquei com medo de demonstrar tristeza , era uma afeição muito íntima minha e , ao menos naquele momento , eu não queria dividir isso com ninguém . Queria me trancar no quarto escuro , mas lá não tinha nem TV .

Quando terminou o noticiário , o meu pai apareceu e saiu - se com uma pérola : " e aí , está triste ? " . Olhei pra ele e abaixei a cabeça . Deu raiva , muita raiva . A vontade que eu tinha era de dizer : " Não , estou felicíssimo !!! Agora a gente espera o Chico Buarque morrer e aí nós fazemos um brinde !!! "

É , já havia muitos boatos , disse - me - disse , eu tinha comprado o CD ( A TEMPESTADE ) e , mesmo fanático naquela época - atualmente nem tanto - , achei o disco horrível . Hoje adoro , porque só depois de tudo isso ocorrer é que eu pude entender todas as circunstâncias que cercavam aquele álbum . Quando ouvi " A Via Láctea " achei até bonita , mas extremamente melancólica . Houve um momento em que fiquei bem surpreso com a reação de alguns familiares comigo . Eu adorava o cara , só que eu não sabia que outras pessoas mais próximas tinham conhecimento disso . Meus amigos me ligaram , minha mãe e até a minha avó do Rio . Parecia que tinha desaparecido alguém das minhas relações , e tinha mesmo . Pronto , taí o meu diário daquela época .

NOTA DE ESCLARECIMENTO : A expressão que faz alusão à morte de Chico Buarque é apenas uma força de expressão , uma figura de linguagem .

Rodrigo Germano
Enviado por Rodrigo Germano em 27/03/2010
Reeditado em 22/05/2010
Código do texto: T2162197