Cartas para Daiane - Sobre o Amor e a Ficção

Daiane,

O amor é formado por pequenos pedaços de ficção costurados por finos fios de realidade. É uma série de desejos, tão sacros quanto profanos, que precisam ser extravasados em forma de beijos e palavras. É a antecipação do carinho e da saudade, do bem-estar e do vazio da solidão. Para se amar é preciso imaginar. É um pré-requisito importante, pois esses pequenos pedaços de ficção se desbotam ou são rasgados pelos fios muito firmes da realidade. Se novos não forem costurados, a trama se desfaz. Se os antigos não forem aparados, suas cores ofuscam os fios da realidade. É perda sem razão, de um sentimento que não precisa da mesma para ser explicado, mas necessita dela para ser cultivado.

Paixão é acúmulo de anseios tumultuados que dispensam a realidade e colam forçosamente a ficção. Apaixonar-se é escrever um conto com um ápice que prende o leitor, mas com um final desinteressante que não faz jus à obra. Amar é escrever um romance que prende, machuca, encanta, alegra e nunca se deseja saber o final. Acabar o romance não tem sentido. O que importa é lê-lo, escrevê-lo, relê-lo.

Cria-se um personagem complexo ao qual o autor se apaixona. É um ser intrincado, parte seu, parte do mundo. É a pessoa amada, envolta por reflexos de desejo do coração. É uma série de sonhos interligados que ganham forma. Então o amor é padecer enquanto se sonha, pois a realidade, temperada pelos desejos, é mais saborosa do que esse mundo volátil e abstrato que se vive enquanto se dorme. No sonho, teme-se acordar. Na realidade, não se teme dormi, pois nela se encontram aquela série de sonhos que sempre se quis ter toda noite.

Amar é querer o presente, é viver o presente pensando em ter o melhor dos passados. É antecipar o futuro como uma continuidade.

Meu amor por você começou em realidade, mas esse fio logo se prendeu a um elemento essencial. Foi seu sorriso o primeiro sonho que se costurou nessa trama que eu passei a chamar de minha vida. Então a vida se transformou nisso: realidade que se confunde com ficção enquanto leio sobre um personagem cujo sorriso é a descrição do paraíso e o afastamento é a confirmação da existência do inferno.

Meus sonhos são tortura, pois passam. Meu amor é epifania, pois é um despertar para a felicidade. Esse despertar é tão paradoxal que pode ser o ato de dormir ao seu lado, o fechar de olhos para te beijar e o clichê de dizer que para sempre vou te amar.

Antônio Augusto Fonseca Júnior