À Voz do Vento

Contemplo o seu silêncio de espanto, quiçá de indignação diante deste tudo que invento, enquanto talvez blasfeme ou simplesmente quede impotente por nem sempre me compreender. Já devia saber que não sou nada confiável quando me percebo alvo de controles.

É sensato não compor em seu ser qualquer adversidade sobre a minha pessoa, meu sentir ou mesmo sobre os absurdos que escrevo, peço apenas que respire.

Imagine você que descubro com cada vez mais frequência que a vida precisa ser reinventada para sair da mesmice ou para compensar as ausências de tudo e de todos que nos são visceralmente essenciais. Definitivamente essa história não segue mais uma rota piegas.

Adianto que se ela desandar pelo caminho e sentir o menor cheiro de banalidade, abro mão, despeço-me para sempre, recolho-me até desidratar entre as páginas dos livros.

Talvez por castigo e por uma maldade inconsciente, consiga atingir este seu ar de indiferença, aqui a conjectura vai nua de pretensões, entretanto não há nada premeditado, diria até que são inocentes as palavras e situações que ardem pelo corpo adentro. Considere que somente a inocência plasma grandes fantasias com uma dose nada rotineira de criatividade.

É vero, de tanta reinvenção me tornei previsível por esta capacidade impar de fazer coisas infantis num mundo dito adulto. A inocência reside no fato de que só a alma criança realmente possui a fantasia naturalmente, dispa a alma e ao fim e ao cabo encontrará uma criança.

Onde finda a realidade, onde começa a ficção, que parte arde neste outro que alegra os sentidos, como sobrepor à concretude, a linearidade, a aridez? Pergunta que renasce todos os dias quando me percebo quase morta no ocaso que me impõe.

A questão em si não dói nem me inquieta, dou de ombros, sei que até minhas dúvidas são zelosamente cuidadas e por assim ser, sigo inconsequentemente adúltera, potencialmente puta, potencialmente adolescente, misticamente bruxa, encantadoramente fada, eclética Sherasade. Devo dizer que esta última é a versão mais apropriada, é fato que estou sempre inventando mil e uma histórias para que jamais arranque minha cabeça fora da história ou me abandone.

Descobri ainda por cima que não tenho fim, não tenho ponto, sou toda reticências e exclamações, e parêntesis no abraço em que o retenho.

Ao final um sorriso clandestino em tom de rosa, ou quem sabe o inofensivo tom pastel que não briga com nada e que inspira uma enorme vontade de ficar num canto qualquer a recolher-me, ler-me, como quem busca na ardência da lareira do íntimo a razão do fogo crepitar seu nome.

Um descuido e você me escapa num suspiro que aquece a alma da alma que aquece o outro e que do outro se desenlaça num ocaso marginal para fingir talvez que jamais existiu, reflita sobre a intensidade disso.

Confio em seu ouvido íntimo acerca das coisas me dizem respeito, na sua percepção magnífica que a despeito de tudo colhe o meu melhor e o retém para si.

Despeço-me. Peço que me guarde por todas as estações, como sendo eu a casa da árvore, o subterfúgio do sótão, seu esconderijo secreto, o seu pecado predileto.

Definitivamente escolhi não dizer adeus e isso é para sempre.