CARTA ABERTA À MINHA MÃE SEVERINA - Matéria do Cantinho do Zé Povo - O Jornal de Hoje - NATAL - RN - Ed. 08 de maio de 2010

Querida mamãe:

Hoje acordei “mais mocorongo” do que nos outros dias. A semana inteira, ví shoppings e lojas cheias de gente, comprando os presentes de suas mães. Dizia o poeta; no Dia das Mães, a casa fica mais alegre, a “zuadêra” de filhos e netos se torna maior; a mesa tem mais pratos, mais talheres e até a casa, parece ter crescido... Mas, como diz a gordinha do Zorra Total, infelizmente “isso não me pertence mais”... O que me pertence; é o sofrimento de sua ausência material, pois sei que espiritualmente, você jamais se afastou de mim. Essa carta, mãezinha; é o causo de número 400, do Cantinho do Zé Povo, hoje dedicado inteiramente e você e a todas as mães do universo; sejam elas Casadas ou Solteiras; Presidentas de República ou Prostitutas; Sóbrias ou Drogadas; Sãs ou Doentes; Empregadas ou Patroas; Militares ou Civis. Guardo na lembrança, o tesouro mais precioso que Papai do Céu me deu; o tempo que vivi ao seu lado, seu carinho e seu desvelo para comigo. Você jamais me disse, mãezinha; pois aqueles tempos eram outros; que me amava. Entretanto, seus gestos dispensavam qualquer afirmação feita nesse sentido. Guardo os lanches nos fins de tarde, na casa da Rio Branco, quando você e Quena pegavam as tapiócas que haviam sobrado do café da manhã, e colocavam no forno, com a nata do leite; e elas vinham tostadinhas e crocantes para a mesa e para nosso deleite. A lembrança mais longíqua que tenho de você e de Quena, era quando uma me segurava, lá na casa da Hermes da Fonseca (onde nasci) e a outra furava com um palito, umas bolhas que nasciam nas minhas mãos. Na casa da Rio Branco, para onde nos mudamos em 1952, comecei minhas “aprontações”... Já meio “taludo”, chegavam “as cabuetagens”, que eu tava roubando manga em Dona Maria Boa; que tava fazendo “quebra canela” no sítio de bananeiras da Força e Luz; que tava na beira da linha, no forró do “Chimba Meu Boi”; que tava “gritando o palhaço do circo”, que tava no muro da casa de Dr. João Dutra, jogando cuscuz nos ônibos que subiam a Ladeira do Baldo; enfim, que eu sempre tava fazendo todo tipo de “presépe”... A piscina, quando seca; virava campo de futebol. Ao seu redor, os assaltos “dos blocos de carnaval” e dos Índios Guaranis, esses, sob o comando dos saudosos Bumbum e Geléia (que na época era técnico do Alecrim F.C). As viagens para as fazendas eram verdadeiras epopéias. Saíamos daqui bem cedo, lanchávamos na beira da estrada; a galinha torrada com farofa de bolão, que você e Quena preparavam de véspera. Lembro bem que uma vez, Maria Vermêia, lavadeira de roupa; enjoou e em Guarabira, eu dei um Alka Seltzer para ver se ela melhorava; e ela engoliu o bicho antes de dissolver todo... Daí em diante, a véia estrondava a Serra da Beatriz, nas suas vinte e sete curvas, de Alagoa Grande a Remígio. Era “arrotando pru riba e pru baixo”, tendo como fundo musical, minha risada mais escandalosa... Na fazenda, muito manhosei no aconchego do seu colo, na penumbra da cozinha e na quentura do velho fogão à lenha, pilotado por você, cumade Zefinha, cumade Luzia, Mãe Miana (que você rebocava das Traíras...), dona Maria Prêta e mais um bocado de gente da melhor qualidade, que iam lhe ajudar. No jantar, seu prato sopeiro com leite, farinha e carne de sol; você jamais comia só; botava prá mim; mas o bom era comer, tirando do seu prato... Fecho os olhos e ainda escuto a zoada do velho motor de luz. Quando tinha forró, na Malhada de Roça, a casa grande “friviava de gente”, ao som da sanfona de Zé de Bidú; enquanto que em Pocinhos, a animação era de Zezíin de Bedon, lá da Serra do Monte. Creusa e Rosilda, da casa de Guida; e a saudosa Maria Rita, que o digam... Nessas lembranças, sinto você, Quena, Maria Bordadeira (que hoje mora no Rio de Janeiro e me botava prá dormir cantando Lilí...) e as Mães Pretas que tive; Bela, Mãe Miana, Maria Flôr, Ricardina, dona Maria Prêta e Mariquinha de Júlio Prêto; bem mais perto de mim. Hoje, no Projeto Cultural Canto do Mangue, às 19 Hs., estarei sendo homenageado; como poeta e divulgador da cultura popular nordestina; e essa homenagem, dedico a você, pois é o que tenho a lhe oferecer no seu dia, como presente. Se não fosse você, mãezinha; nada disso que relembrei, teria acontecido... Receba na espiritualidade, o beijo e a infindável saudade do seu filho,

Bob

Bob Motta
Enviado por Bob Motta em 08/05/2010
Código do texto: T2244626
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