MEU MEDO DE TUBARÃO

Desde criança sou simplesmente fascinado por tubarões. Na verdade é uma mistura de fascínio e um medo quase que doentio a ponto de estar na beira da praia com receio de ser pego por um desses doces bichinhos.

Fico imaginando qual será a sensação das pessoas que são mortas por tubarões. Acredito que o terror de ser atacado pelo bicho supera a sua mordedura trituradora que pode chegar a parcas três toneladas!

Quando criança, época em que materiais impressos eram coisa rara, diferente de hoje que há fartura de informação, ganhei uma espécie de catálogo de remédios que continha uma série de peixes, e muitas informações sobre cada um.

Lembro-me de que havia o atum, o bacalhau, o arenque, a piranha, o baiacu, o dourado, o pintado e ele, o maior dos meus pavores, o temido tubarão branco.

E o catálogo era bem bacana, pois possuía detalhes sobre os peixes como sua alimentação, seu comportamento, seu habitat natural, se era peixe de rio ou se era de oceanos, o tipo de pele, ou se tinha escamas...

No item alimentação, o tubarão era novamente o peixe de destaque, e estava escrito o que eu não queria ouvir de jeito nenhum.

Alimentação do tubarão: ENGOLE TUDO.

Engole tudo?

Caramba! O que uma criança de 8, 9 anos vai pensar quando lê “engole tudo”? Pensava que o tubarão era capaz de engolir até mesmo os barcos que viajavam pelos mares.

E eu decidi que nunca iria viajar de barco ou em qualquer tipo de embarcação.

Naquela década eram comum filmes do tipo “trash” como, por exemplo, O Ataque das Formigas, Tubarão I, II, III, IV... LVII, e diversos tipos de ataques de animais e das coisas mais medonhas que podemos imaginar, como Rambo, Rocky, O Exterminador do Futuro...

Fiquei sabendo naquela época que o tubarão possuía três fileiras de dentes e que quando perdidos, eram substituídos por outros novinhos, prontos para destroçar crianças medrosas como eu.

Mas, desculpe o meu leitor.

Não sei se o que vou falar daqui para frente tem alguma relação com o que eu já disse. É que a história que se segue é pequena, e eu queria fazer o leitor ter um pouco mais de prazer em sua leitura.

Se for da mesma faixa etária que eu irá se lembrar de alguma coisa e quem sabe até ganhou esse mesmo catálogo que eu tive. Talvez compartilhe do mesmo pavor pelo tubarão.

Não se assuste se a história agora der uma virada de 180° e você não conseguir identificar qual é a intenção do autor.

Assim, por indicação de minha querida sogra, fui até uma igreja evangélica num tempo em que passava por alguns apuros financeiros.

A igreja era relativamente nova e, segundo a minha adorável sogra, as pessoas que iam até a igreja conseguiam logo o que queriam.

Era simples:

Você ia até a igreja e participava de todas as suas atividades. Compartilhava com os irmãos dos rituais, das cantorias, ouvia a pregação do pastor, levava mantimentos como, por exemplo, sacos de arroz e feijão, pacotes de sal, quilos de açúcar...

Mas isso era só para os mais desgraçados.

Quem não estava tão mal assim, mas queria ampliar o que já tinha, fazia os desafios com Deus. O pastor nos advertia que devíamos ser generosos se quiséssemos que Deus fosse generoso conosco. E então começava a pedir ofertas em valores altos.

- Quem possui mil reais?

Silêncio total.

- Tudo bem! Disse o pastor

- Quem vai ofertar a Deus com quinhentos reais?

- Ninguém de novo? O pastor falou decepcionado.

- O aluguel da sua casa... Eu desafio você a depositar aqui no altar do senhor o aluguel da sua casa! Vamos ver se tem alguém que realmente tem fé aqui!

Levantou-se finalmente uma senhora baixinha e maltrapilha. Pegou umas notas que estavam em sua mão e colocou no altar.

- Mulher de fé! Exclamou o pastor.

- O senhor lhe dará em dobro, abençoada!

A velha saiu sorridente e orgulhosa.

Todos ali, incitados pelo pastor, aplaudiram a velhinha e partir dali, começaram a surgir algumas ofertas, uma de 100, outras de 50, muitas de 10 e centenas de 1 real.

Para eu ser abençoado, segundo minha crédula sogra, eu deveria participar da corrente de sete dias da prosperidade. Eu, duro que estava, queria realmente mudar minha situação.

Contudo, lembro-me de ter dado 1 real apenas, no primeiro dia. Nos outros dias eu gastava o dinheiro com dois lanches de churrasco grego. Eu ia a pé para a igreja e comprava o lanche de R$ 0,50 que ainda vinha com um suco grátis.

Você já ficou desempregado(a) algum dia, querido(a) leitor(a)?

Bem, eu já estava me acostumando à rotina de ir à igreja todos os dias, mas não havia ainda recebido nenhuma benção.

Acho que minha fé era pequena, ou Deus não tinha ainda recebido o 1 real que dei no primeiro dia. E, segundo a igreja, ele já estava me devendo 2 reais.

Passou a semana.

Então, levei um amigo comigo no sétimo dia.

Desempregado como eu, procurava qualquer coisa que aliviasse sua dureza e sua tristeza.

Nesse dia, o sétimo, casualmente era o dia de “Libertação Total”, o dia mais poderoso para o Senhor, segundo a minha sapiente sogra.

Era o dia de se livrar de vícios, de demônios, conseguir tudo o que se queria, enfim, era a solução final para todos os males.

Uma verdadeira panacéia grega!

O pastor, como de costume, fez os seus desafios com Deus.

Sempre insatisfeito com a pouca fé dos irmãos que davam pouco do muito que recebiam.

Um dia antes eu havia visto aquela velhinha que deu o dinheiro do aluguel na fila de cestas básicas da igreja católica. Ela disse que estava sem nada e que ao procurar o pastor ele disse que ela vivia em pecado e tinha pouca fé.

Mas, voltando ao dia da “Libertação Total”, chegou a hora dos testemunhos. Uma hora muito importante, segundo minha caríssima sogra.

Nisso, sobe um homem de uns trinta anos no púlpito.

Mulato, poucos cabelos, poucos dentes, roupas bem desgastadas e diz:

- Irmãos, eu era maconheiro. Usava cocaína e fumava crack todo dia. Perdi tudo o que tinha, perdi família, perdi emprego, perdi casa, carro...

Minha vida estava acabada, mas Jesus! Jesus me libertou dessa prisão. Hoje sou empresário, recuperei meu casamento, meus filhos estão todos encaminhados e estou abrindo filiais em Washington nos Estados Unidos!

- Estão vendo! Disse o pastor.

- É o poder de Deus na vida da pessoa. É só ter fé e tudo caminha.

Depois do empresário bem sucedido, sobe uma mulher.

A mulher era de uma aparência meio que decadente. Cabelos ensebados, com uma tintura mal aplicada, maquiagem pesada, um salto esquisito, roupas em total desalinho e dentes nela também eram raros.

- Gente, eu era puta! Desculpe pastor, eu era prostituta, mulher da vida. Dormi com tudo que é tipo de homem, também usava drogas e cheguei até a assaltar banco e carro forte. Mas hoje, hoje, depois que o Senhor Jesus me libertou, minha vida é só “bença”. Montei um salão de “cabelereiro” e a clientela só aumenta, glória ao Senhor Jesus!

- Vocês estão vendo o que é o poder de Deus? Mais uma vez insistiu o pastor.

Foi quando me dei conta de que meu amigo já não estava mais ao meu lado. Ele já estava descendo as escadas quando o encontrei.

- Ei, cara, o que aconteceu contigo?

- Bicho, respondeu ele, eu sou uma pessoa de bem!

- Você acha que eu vou me misturar com maconheiro, bandido e puta porque estou desempregado?

Refleti sobre o que o meu amigo disse e achei que ele tinha razão.

Convidei-o para comer um churrasco grego, claro, acompanhado por um suco e por minha conta.

Só deu para comer um lanche cada um.

Depois disso tudo, muitos anos passados, eu e meu amigo conseguimos bons empregos e hoje rimos juntos ao tomar nossas cervejas importadas e comer canapés com caviar.

Não foi preciso dar nada a Jesus para que fossemos tão abençoados assim. Eu ainda dei 1 real. Meu amigo que não deu nada hoje está bem melhor do que eu! Esse Jesus...

Contudo, o dono daquela igreja goza de uma vida de rei. Sabemos hoje que ele possui um palácio magnífico no interior da cidade, sua igreja cresceu, multiplicou e ele é um homem influente e poderosíssimo.

Há pessoas, diferentes de mim que dei 1 real e não recebi os 2 até hoje, que deram tudo o que tinham e estão em franca miséria material e psíquica.

Foram engolidas por uma instituição que ENGOLE TUDO.

Mas, depois de escrever tudo isso, ainda não consegui descobrir qual a relação da história com o tubarão.

Serão as cervejas importadas que estão me tirando a sanidade?

Acho que preciso fazer umas aulas de escrita criativa e aprender a concatenar melhor minhas ideias.

Frederico Guilherme
Enviado por Frederico Guilherme em 24/05/2010
Reeditado em 25/05/2010
Código do texto: T2277519
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