Carta aberta ao Luciano

Divinópolis, 08 de maio de 2006.

Prezado Luciano,

Achei o máximo, quando vi em seu programa o quadro “Lata Velha”! Resgatar o passado é muito edificante, traz novas alegrias e faz brotar boas lembranças no coração de muita gente.

No coração da família Vilela Fonseca renasceu uma grande esperança que é ver a nossa velha caminhonete ganhar nova vida!

Meu pai, José Vilela da Fonseca, um humilde ferroviário da ex- RMV – Rede Mineira de Viação, estava formando uma pequena chácara e seu meio de condução era uma bicicleta. E qual não foi nossa alegria, quando ele, a custo de muito sacrifício, adquiriu em 1954, de terceiros, uma caminhonete Chevrolet. Na época, nós já éramos sete filhos e depois vieram mais três. Papai lutava com dificuldade para dar-nos uma educação esmerada. O ensino médio em escolas “só para meninas” não era gratuito, mas meu pai teve o orgulho de nos ver formadas.

Essa condução facilitou-lhe bastante a vida, porque ele plantava e colhia na chácara o que não conseguia comprar com seu minguado salário. Na singeleza de nossa vida, nunca nos faltou o essencial para a nossa sobrevivência. E a caminhonete teve papel preponderante neste momento de nossa vida. Nela papai transportava todo o complemento necessário para nossa alimentação. Sempre levava lenha para fazer nossa comida. Leite também trazia para o consumo e para a sobremesa, quando virava doce e queijo pelas mãos habilidosas de nossa mãe. Quantas vezes ele se transformava em apicultor e, com toda paciência, cuidava de suas abelhinhas, recolhendo em troca um delicioso mel, que em favos ele nos presenteava. Dependendo da época, trazia sacos de laranja, banana, abóboras, verduras. E tudo isso só era possível com aquela verde companheira Chevrolet. Meu pai foi um “autodidata” da direção. Naquela época, o trânsito era bem menor e, mesmo sem dirigir bem, meu pai, pela necessidade, já fazia essas pequenas viagens até à chácara. Aconteceu, nessa época, um fato hilariante. Meu pai, um dia, ofereceu carona para um trabalhador que voltava para a cidade. No trajeto, havia uma descida bem forte em curva na estrada para Belo Horizonte, hoje, Rodovia MG 050. Nessa descida, meu pai trocou os pés nos pedais e desceu a curva embalado! Chegando lá embaixo, na dita rodovia, meu pai parou, respirou fundo e agradeceu a Deus por estar vivo. O caroneiro, que sabia menos ainda de carro, fez este elogio: - “Puxa vida, Sô Zé! O senhor dirige bem toda a vida!

Aos domingos, papai levava para a chácara a carga mais preciosa. Reunia toda a filharada que, na sua carroceria, fazia aquela farra. Íamos cantando, rindo, chamando a atenção dos pedestres que admiravam aquela cena tão animada!

O tempo foi passando, os filhos cresceram e meus pais mudaram para a roça. A velha caminhonete ficou só para o serviço rural. Um dia, meu irmão caçula, o Inácio, quis mudar o combustível para gás natural. Por uns tempos deu certo, mas ele preferiu trocar para o gás de cozinha.

Hoje, ela está repousando numa coberta feita especialmente para ela, no Sítio do Pontal, em Divinópolis. Fica ali nos lembrando de nossa infância, de nossas dificuldades, mas também de momentos felizes que passamos juntos. Nela, os passarinhos vêm fazer seus ninhos. Meu pai, com seus 89 anos, passa perto e as lembranças que lhe vem à mente, só Deus sabe! Dirigir ele não pode mais, e, com os olhos marejados, faz um carinho, um luxinho naquela lataria verde de sua velha amiga Chevrolet.

Luciano, venha ver esta querida lata velha, se possível, ou envie sua equipe. Valerá a pena e nós, filhas e filhos do Vilela, gostaríamos de revê-la renovada e linda! Agradecida,

Fernanda

(Esta carta foi escrita para o Luciano Huck, mas acho que ele não leu e nunca lerá.)

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 06/09/2006
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