Memórias póstumas de uma paixão

Essa carta é inútil por várias razões. A pessoa, P., no momento e talvez nem no futuro, merece o fio de consideração que eu ainda tenho. Porque pra ela o que eu penso e sinto é inútil, não tem mais importância. Porque ela não vai ler essa droga. Porque simples palavras e vontade na cabeça não mudam nada, como estou farto de saber. Então, para que essa baboseira? Sei lá, talvez um dia, quando não tiver nada pra fazer, eu pegue isso e leia. Talvez seja divertido, de uma maneira bem distorcida, relembrar decepções esquecidas. Vamos lá.

P.

Acho que a minha decepção com você no momento não tem tamanho. Nenhuma pessoa anteriormente havia feito algo que me magoasse tanto. E isso fica ainda pior já que eu não sei o porquê de estar sendo tratado assim, não me passa pela cabeça a razão de merecer seu descaso. Volta e meia relembro o dia em que chamei você para conversar e você mostrou um desinteresse total no que eu tinha pra falar, quase como se eu fosse um nada. Não consigo entender a sua apatia, completamente convencida de que é melhor não sermos próximos, é melhor mantermos distância, de que vale a pena conversar com todo mundo menos comigo. O que me revolta é que, um mês e meio antes, quando você foi me procurar, eu gastei um tempão para ouvir o que você tinha pra falar. Já no dia em que eu fui atrás de você, você parecia não querer conversar nem cinco minutos.

É isso mesmo que eu mereço, P.? É essa gratidão que você tem por mim? Ponha a mão na consciência, se é que você ainda tem alguma, e veja se isso é correto, veja se isso é justo.

Onde foi parar a P. que eu tanto admirava, aquela que era dedicada, corajosa, que falava o que queria, que sabia ser divertida, que valorizava os amigos? Aquela P. que me xingava, mas que demonstrava o quanto eu era importante? A P. que tinha consideração pelos amigos? Onde foi parar? Quem é essa agora? Uma imitação barata de tudo o que você já foi? Sinto falta da P. inteligente, esforçada e preocupada que tornava os dias melhores, a pessoa em quem me viciei...

Confesso que ainda sou um pouco apaixonado por você... talvez porque na aparência e na voz ainda me lembre aquela pessoa importante do passado. Eu amava cada pequena coisa que havia em você. O sorriso, as bochechas rosadas, os olhos serenos, o cheiro da mochila, a tendência a sempre se preocupar demais com as coisas, os insultos, a falta de habilidade nos esportes... Às vezes, com cabelo preso, às vezes com cabelo solto.

Se bem me lembro tudo começou no dia em que você terminou aquele namoro curtíssimo. Naquele dia, ali perto da quadra, você abriu um sorriso tão lindo... era uma sexta-feira e eu fiquei admirando aquele sorriso na minha mente durante o fim de semana todo, ansiando por mais. Eu queria ver esses lábios vermelhos se abrindo em muitos outros lindos sorrisos e eu até que consegui. Se havia outra pessoa na minha cabeça, você tomou conta de tudo. Xingando, insultando, me olhando feio, me dando tapa, mas ainda assim tomou conta de tudo. Sinto saudade...

Pra que tudo isso? Pra que relembrar, se você está cagando e andando pra mim e se eu fosse mais esperto deveria fazer o mesmo? Eu quero saber por quê. Por que depois de tudo o que eu fiz por você, estou sendo tratado como um estranho? Por que é que depois de tantos momentos bons, todo mundo simplesmente parece se conformar que nem a amizade deve existir mais?

Tenho sonhado com você todo dia. Estou obcecado para saber como num dia sou “mais do que especial; essencial”, e no outro devo manter distância. Me revolto vendo você passeando com outras pessoas e me ignorando, não me dando o mínimo de atenção. Eu pensei tudo diferente, queria por tudo nesse mundo que fosse diferente. Agora você tem novos amigos, não é? Espero que eles ajudem em todos os trabalhos que você tenha que fazer, que eles tentem acalmar os ânimos quando você estiver revoltada com o mundo, que eles tenham paciência pra ouvir seus problemas. Afinal, se você os escolheu como amigos e agora eles são mais importantes, deve ser porque eles farão tudo isso, né? Você pode aproveitar e contar pra eles sobre os amigos que você perdeu. É assim com você, não é? Você perde os amigos, se arrepende, conta as tristezas para os novos amigos, faz eles se sentirem essenciais e no fim os abandona... Muito legal. Desse jeito, você vai se tornar uma especialista em perder amigos. Ou melhor, você já é... Já pensou em dar treinamento especializado?

Você parece não se importar mais com a minha opinião a seu respeito. Então, eu me pergunto: por que eu deveria me importar com você? Você me ignora, foge de conversar comigo, não dá a mínima para o que eu quero falar e possivelmente não sente minha falta mais. Possivelmente não voltará a me procurar como naquele dia – aliás, como você estava linda naquela ocasião. Eu te admirei da cabeça aos pés, muitas vezes, imaginando mil possibilidades. Eu entendo porque seu namorado te agarra com vontade quando você está por perto. É impossível resistir a tanta beleza...

Ainda tenho que me forçar a acreditar que a garota mais incrível que eu conheci naquele ano quer distância de mim. Acho que a minha mente acha algo assim absurdo, infundado, sem razão de ser.

Mas, no fim, talvez você esteja certa. Mais do que certa; certíssima. No fim, talvez seja ótimo manter distância de você. Porque com a mesma intensidade com que você traz alegrias, também traz tristezas. Essas palavras são testemunhas disso. Então, adeus, P. Pelo menos saiba que um dia, você, usando aparelho nos dentes, óculos, sem fazer as sobrancelhas, xingando tanto quanto um bêbado de bar, com o rosto cheio, a barriga saliente, e as pernas cortadas por estrias (é, eu reparei nisso...), foi mais atraente para mim do que qualquer outra mulher que eu conheci.

Agora tudo isso são memórias póstumas de uma paixão...

Maio de 2009

Alex Nunes
Enviado por Alex Nunes em 27/06/2010
Código do texto: T2344035