Áurea: a louca da Lua de Andrômeda

Cirrus, 71 de Vesta de 5791.
Amado Orfeu,
Escrevo-te porque pressinto: se aproxima a vida. Todos sabem que um dia a vida chega e temos que dar adeus à morte. E assim já posso sentir que a morte me está escapando aos pouquinhos, se esvaindo lentamente. Se bem que aqui as vezes anoiteço viva, mas por dentro estou morta, e quando estou morta, na realidade estou viva, outras vezes somente morta, outras apenas viva. Assim, nessas vidas e mortes estou sempre ressurgindo, ressuscitando, tanto que chega até ser cansativo. A eternidade cansa. Mas como calava: a vida se aproxima e todos a temem. Dizem que viver é pavoroso. Ninguém sabe o que há do outro lado dela. Há muitas hipóteses, algumas quase já comprovadas. No entanto, eu sei que sempre depois, há vida. Quero assim contar-te já que nunca estás. Por onde começar? Os normais diriam: começa pela introdução, desenvolva e conclua. Bem, mas isso não contém minha lógica. Gosto de começar do fim, ou do meio, do nada e do tudo. Depois retorno para o começo, volto para o fim, ou o meio. Tanto faz. Não dizem que a ordem dos fatores não altera a soma. Então, meu tempo será o do esquecimento ou da lembrança e sobre tudo o da importância. Aqui nesses pensamentos só ficará o que é especial. Não, não me peça pra enxugar o texto. Isso é coisa de louco. Onde já se viu enxugar texto? E ainda dizem que a louca sou eu. Nunca enxugo textos. Gosto mesmo é de molhá-los, deixá-los bem ensopados, transbordantes. Quem sabe sacie a sede dos famintos. Começarei então por ti, mas hoje não. Somente ontem te conto. Agora preciso acordar, pois a noite já clareia e a terra começa a nascer no horizonte.





( Continuará...)

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imagem: internet