UMA CARTA ENCONTRADA NO MAR

Dizem que uma carta fora encontrada no mar em uma garrafa.

Clichê. Roteiro de filme norte-americano.

Dizem que a carta era de amor. Mãos confusas a retiraram da garrafa azul. Um azul claro. Um azul. Céu. Dizem.

Dizem isso. Eu conto o que soube da memória de outros tantos tontos e velhos que viram ao chegar. Cheguei com um caderno nas mãos. Era o meu mundo que escrevia. E no meu mundo havia o mar. No meu mundo sempre existiram cartas. E escrevi a minha primeira carta com oito anos. Queria brinquedos. Mas a carta! A carta que fora encontrada no mar! Era uma carta de...

Perdoe-me as palavras que digo... Não sei. Já não sei se posso ou não dizer o que sinto. As pessoas dizem coisas tão aterradoras no papel. Não sei se pelo disfarce ou pela distância disso tudo. Sei que sinto... Bem... Eu deixei a cidade. Deixei a mãe e o pai sozinhos. Ganhei mundo. E viajei por estas estradas e pulei muros e conheci mundos. Meu... Meu... Não sei se devo... Não sei se... Mas... Mas! Esta carta traz uma vontade de dizer... Meu corpo foi testemunha de tudo. Amei. Amei todos os que se aproximaram de mim. Disseram-me poemas. Deite-me ao luar. Deixaram rosas vermelhas na janela. Deite-me ao mar. Acharam conchas e mistérios na varanda de amar. Deite-me sem tempo de levantar. Mas... Não achei você! Não achei os seus braços. Não achei o seu cheiro. Não achei as suas palavras. Não achei a mim quando outros me sentiam. Não achei a mim quando a lua e o mar e o tempo olhavam o meu rosto. Chorei. Chorei baixo. Chorei alto. Chorei profundo. Chorei como criança. Perdoe-me as palavras que digo. Digo ao ritmo que o coração ordena. Aos pulos, aos bocados. Com ímpeto ou com cuidado. Não achei você em nada e me perdi. Vi cores e dias e rostos. Mas não o seu. Perdoe-me as palavras... Preferi deixá-las ao mar. Ao mar com elas. Ao mar...

A carta poderia chegar às minhas mãos. Não chegaram de fato. As cartas nunca estiveram diante dos meus olhos. Repito o que ouvi de velhos e do tempo. Dizem que era uma carta bonita. Imagino a carta. Mãos que a abrem. Olhos que se confundem com o mar. Imagino uma carta de amor. Imagino que uma mulher ganha o mundo e vive coisas que jamais pensou. E o homem por quem chamou a vida inteira é apenas uma lembrança vaga. Uma imagem. Se eu pudesse ler a carta com as palavras certas saberia a história. Imagino apenas... Imagino...

CAMPISTA CABRAL
Enviado por CAMPISTA CABRAL em 09/09/2010
Código do texto: T2488416
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