DE POETA PARA POETA
                                     (ao amigo Eduardo Tornaghi)
 
   Ontem à noite o céu não tinha estrelas. Não se via a lua. Ventava e o vento frio em carícias sutis, acariciava a areia deixando-a serena como uma extensão da espuma das ondas que se atiravam na praia em ressaca discreta. Bebia-se as vozes dos amigos que se alternavam em declamações de poemas que, como estrelas, com tanta luminosidade substituíam as que no céu não se via.
 
   Até ontem na minha característica introspecção tímida, eu relutava em munir-me de um microfone e diante de até meia dúzia de expectadores, ousar em declamar um poema ou um texto qualquer de minha autoria. Tão logo era solicitado a realizar tal tarefa, surgia-me incontinenti um discreto tremor (temor?) ante o fato de estar sendo alvo de atenção.
 
   Não raramente, em encontros com amigos escritores e poetas, limito-me a apreciar as obras que são apresentadas e as minhas, reservo-as para tão somente publicá-las por escrito ou virtualmente, tamanha a minha aversão em expô-las em público. Sou como a brisa que chega discreta e de mansinho, se faz presente e logo parte, às vezes deixando resquícios, outras não.
 
   Ontem quando intimado a declamar um poema meu, relutei e de pronto declinei o convite, alegando a indisfarçada timidez, preferindo que amigos declamassem por mim. Fui tomado de assalto quando pedi ao amigo Tornaghi que lesse um poema meu, ao que ele argumentou: “eu não! Você é que vai declamar! Queremos ver você declamando seu poema.” Seguindo-se a isso, brindou-me com uma exortação ao comportamento humano de que a introversão e a timidez, ao invés de serem características somáticas de receio ou aversão, mais que isso, caracteriza o estado de vaidade. Sim! Vaidade. Sou tímido! Introvertido! Seria isso uma forma de chamar a atenção? O fato de não querer apresentar em público o que escrevo seria afinal uma maneira de chamar a atenção?
 
   Até ontem eu me considerava um simples grão de areia no vasto oceano que é POETAS DEL MUNDO. Porém, após ouvir os argumentos construtivos do amigo Tornaghi, acordei: cheguei à conclusão de que continuo sendo sim um simples grão de areia. Mais eu sou UM GRÃO! E faço parte sim, desse mundo fabuloso, desse mar fantástico de poetas. Ousei pedir o microfone e, sentado (confesso que não senti coragem de me expor de pé) após breve justificativa, enfim declamei um poema, no qual homenageei a todos os poetas ali presentes.
 
   As ondas continuaram a atirar-se na praia, banhando a areia antes de retornar ao mar. O vento discreto ainda soprava. A noite enevoada que prenunciava uma manhã sem sol no dia seguinte emoldurava aquela reunião maravilhosa onde nos fartávamos em um banquete de poesia e cultura. Respirei aliviado após ter conseguido declamar em público constatando que isso nada mais é o que considero uma das grandes virtudes do ser humano: expressar o que sente.
 
   Despedi-me de todos e os deixei naquela maravilhosa reunião poética, retornando ao meu lar, enquanto pensava no que tinha acontecido. Eu que me sentia apenas pequeno, conheci uma pessoa fantástica que me fez entender a importância de um grão de areia em um oceano imenso. Obrigado, Eduardo.
 
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Valdir Barreto Ramos
Enviado por Valdir Barreto Ramos em 22/09/2010
Reeditado em 22/09/2010
Código do texto: T2514219
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