Carta das nove horas

Começo esta carta sem saber o que dizer. Pensei há pouco tempo – uns dez minutos – sobre o que fazer antes de dormir. Banho tomado, prato lavado e, agora, é isto o que faço, eis o que resolvi fazer: escrever para você. Sei, esta carta não chegará no mesmo dia que eu a escrevo, como sempre na história aconteceu. Mas, afinal, é isso que, na minha opinião, torna tudo mais emocionante: amar como os antigos amantes!

Veja que, apesar de todos os pesares, nosso amor deve se aplaudido; nosso amor é muito bonito. Ele tem todos os defeitos necessários junto às qualidades exigidas... Tem o romantismo tão bem enraizado, amor. Você, ao contrário do que pode pensar, é mais romântica que eu.

Primeiro, quem me tornou tão apaixonado, foi você; Segundo, quem me ofereceu as primeiras pizzas? As pizzas, para mim, são precursoras do amor, símbolos do romantismo! Só você; Terceiro, você me ensinou que os vinhos são mais gostosos quando tomados em copos. Pensei na hora, “– não é possível” – ou era magia ou qualquer outro mistério! Conclusão: era magia. Realmente você tem poderes mágicos, é uma mulher mágica; o tempero do vinho, que o deixava mais gostoso, era a sua companhia.

Quero lhe dizer, amor, nosso amor é sim feito de palavras. Palavras seguras, palavras incertas, palavras às escuras, palavras modernas, palavras que significam muito, palavras que muito mostram nossa intimidade. É mesmo lamentável que não haja toque, encontro, abraços e tudo mais... mas, somos heróis ao vencermos isso. Que amor é tão profundo que resiste a saudade do que nunca se sentiu? Nosso amor é uma casa minúscula e feia, mas, de construção tão firme, que em muito resiste às intempéries das tempestades. Mas, até quando?

Não quero por um fim no nosso amor, nunca! Se um dia esse acabar, tenha certeza, não será com a minha conivência ou com a minha iniciativa. Cabe a você a decisão sobre as nossas vidas, e ainda se essas vidas nossas podem ser unidas por um amor, igualmente nosso. Tenha, minha querida, a decisão que melhor lhe agrade. Essa não precisa ser urgente, você tem os próximos longos anos para pensar. Não sei exatamente quanto ou quando deves tomar essa decisão. Recomendo-lhe, apenas, encontre-me, quer seja na sua visita quer seja na minha ida.

Olha, minha querida, toda decisão necessita de uma avaliação prévia. Amamo-nos tão plenamente, é verdade, mas você sabe até melhor do que eu: a realidade pode ser outra. Quero em um encontro mostrar a ti um projeto de amor... um projeto mal organizado, mal escrito, mas de um conteúdo tão profundo. Verá se sua alma aceita a minha e se a recíproca é acatada, verá a cor dos meus olhos e se eles são firmes a lhe dizer verdades. Escutará minha voz, verá a suposta malandragem. Enxergará se vale arriscar o seu corpo ao meu par de braços.

Entenderá mal algumas frases mal construídas e de suposto duplo sentido, como a última frase do parágrafo anterior. Rirá muito comigo, sentirá primeiro se há segurança para me confessar seus segredos, se há sinceridade em mim para chorar sem medo nos meus ombros. Refletirá sobre se quer mesmo viver com quem não sabe dirigir direito, com quem não dança por fazê-lo muito mal, de quem lhe admira por ser tão natural. Quem nas noites comerá contigo as pizzas e também se essas pizzas ficam melhores ou piores na minha companhia. Se suportará minhas correções de português, se suportará me corrigir quando necessário (são inúmeras vezes).

Então, só assim saberá: realmente me ama? Se a resposta me for favorável, positiva, juro a você, terá a melhor vida que um amor pode lhe dar; amor não lhe faltará. E novamente, dentro da nossa casa, eu continuarei a construir o nosso amor com palavras, ditas, escritas, faladas,ocultadas, subentendidas etc. E nossa casa, minúscula, forte e resistente, tornar-se-á quente e bonita, sem perder a resistência. Tornar-se-á também alegre e barulhenta! pois, os nossos pequenos a tornaram muito familiar; nossos alicerces serão maravilhosamente fixados.

No início falei das cartas que chegam atrasadas, por serem tão sinônimas do nosso amor, que adora no presente e ama num possível futuro, incerto (as cartas nem sempre chegam ao destino). Com o passar do tempo nosso amor terá uma estória. E mais tardes serão revistas as fotos, revistas as cartas, revistos os versos, riremos de tudo que fizemos. É certo sim, no futuro riremos do que aconteceu, mas não necessariamente os meus filhos serão os seus, ou seja, você pode estar com um outro amor (feliz ou não). E eu, nesta situação, ficarei assim como fiquei quando comecei a redigir estas linhas: Sem saber o que dizer.

Lauro de Freitas-BA, 4 de outubro de 2006.

À senhorita E.K.,

Atenciosamente, A.K.