Ser humano ou Ser sublime?

* Já não sei quem é você, não compreendo o que diz, desconheço o teu ritmo.

* A voz perde qualquer caráter de gentileza e me vejo numa armadilha de recordações. Como posso ter imaginado todo aquele som melódico? Como posso ter inventado um tom ritmado de carinho? Não é possível. Não me sinto capaz de uma criação tão boa como era a reprodução de tua voz. Só posso concluir que mudou, que perdeu, que abandonou a voz suave, desconheço essa nova maneira de você falar. Desconheço e desgosto. Fico confuso porque não sei se era gentil ou se minhas lembranças são enganosas e trazem memórias falhas. Porque em minha memória está impressa uma voz repleta de contentamento. Uma voz que encantava, uma voz sobre-humana. Teria eu inventado a voz? Nunca saberei.

* Os movimentos não são leves. São, de certa forma, agressivos em sua composição. O modo de andar não desliza, pisa com força no concreto e posso ouvir o atrito dos sapatos no solo. Não gosto. Antes você não precisava firmar os pés, apenas seguia num fluxo despreocupado. Preferia assim. O embalo distraído que comandava teus passos. Tem ainda uma expressão que me espanta. Olhar para teu rosto e não encontrar a complacência é algo fora do natural, encontrar lá nos lábios uma expressão descontente é o inverso do funcionamento das coisas. Quase como acordar num dia preto e dormir numa noite clara, confunde a cabeça de qualquer um.

* E tamanha foi a confusão quando vi que você não sorria e nem trazia o aspecto sereno de sempre. Era, na verdade, de uma aparência que não sei traduzir. Parecia descontente com algo, parecia nervoso e pronto para uma vingança. Não digo que estava feio e muito menos mal, apenas não estava ostentando a bondade costumeira. E essa bondade que me inspirava em lhe oferecer as mais belas palavras e os elogios tão bem elaborados. Essa bondade que dava luz ao teu semblante. Agora não sei o quê dizer dele. Desagrada-me este teu semblante atual.

* Todos esses detalhes, o teu caminhar, o teu sorriso ausente, o manifesto de teus nervos, me deixam confuso, me deixam triste e maluco. Não sei se havia te concedido traços falsos, traços imaginados em minha mente e que ganharam vida pela grande vontade de que fossem reais. E, se foi invenção, aonde foi parar aquela criatividade toda? Por que agora não te enxergo mais como gostaria? Não sei dizer... Onde estão suas qualidades tão distintas? Onde está aquele brilho todo?

* Talvez não tenha sido invenção. Talvez você tenha mesmo abandonado tua personalidade cativante por uma mais sólida, mais humana. Por uma que não sorri a todo momento e que tem problemas. Não gosto desse ser mais consistente. Mais firme no chão. Ou será que não? Será que nunca teve coisa alguma? Será que eu enxergava só o que queria ver? Não acho saída e nem respostas. É uma armadilha. Uma armadilha de recordações.

* Mas inventado ou não, isso nem importa. Só importa que não te gosto assim - muito humanizado. Preferia antes em que encantava os dias com histórias bem narradas, com voz e gestos leves. Menos humano, menos real, porém mais encantador. Trazia luz e brilho, tinha facilidade em sorrir. Tinha essa qualidade sobre-humana que tanto me encantou... Te preferia antes quando ainda era sublime.

Priscila Silvério
Enviado por Priscila Silvério em 30/10/2010
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