TRIBUTO A UMA VIDA FUTURA

São Paulo, ainda na noite de 05 de novembro de 2010

Se o tamanho desta tristeza pudesse atrair o milagre da restauração dos rumos, eu a daria por muito bem empregada, a esta tristeza e não teria que viver apenas a sonhar com a possibilidade da existência efetiva de outras vidas para poder manter a esperança de que ainda surgirá o tempo, em algum tempo, o tempo no qual compreenderemos os porquês de tanta Agonia, de tanta Solidão, de tantos Desencontros, das tantas outras terras e dos tantos outros mares a nos separar ao longo da presente vida; das Lutas às vezes brutalmente dolorosas entre os dois nossos eus, eus que nunca tiveram nem deram a si mesmos o direito de dizer, um ao outro e às claras, o tamanho do Amor, o tamanho da Dor, o tamanho da Renúncia.

Escrevo-te esta carta aberta confiando-me à possibilidade do milagre de que a leias e de que lendo-a, a compreendas e compreendendo-a sintas, na alma, o tamanho do que te estou a dizer: eis todo o milagre a que aspiro neste momento, todo o milagre a que eu ouso afirmar que faça jus.

As pétalas do meu coração estão empalidecidas, fundamente, neste momento em que mais uma vez te precipitei em nova dor, dor que ardendo em ti num silêncio que não é o nosso, num silêncio que te afasta de mim arde, esta tua dor, também em mim, com sua chama gelada como a do círculo mais fundo do Inferno de Dante que, em Dante, o círculo mais infernal de todos é gelado, é gelado, como me sinto eu, gelada, neste momento.

Não nos vejo esperança de esclarecimento efetivo nesta presente vida, que perdemos o tempo em que nos teria sido lícito dizer, com as palavras claras no imediato real, a nossa mútua verdade; eu e tu o perdemos, a esse tempo, por falta de coragem, por medo, por insegurança, também por certo orgulho e, mais do que tudo, pelo Pavor de quebrar o rosto do Ideal, por estes sentimentos todos em ti e em mim, nós o perdemos, irremediavelmente, a esse tempo quando ainda nos havia o direito de afirmar - pelo menos o de afirmar - um para o outro e frente a frente e com todas as letras, a nossa mútua verdade. Encerrados em nosso Universo Mágico esquecemo-nos dentro dele e não nos preparamos para o preço terrivelmente cruel que a vida nos haveria de cobrar e que de verdade nos cobrou. Agora, parece-me que até o direito de afirmar-nos o verdadeiro e mútuo rosto da nossa verdade nos está e nos é completamente vedado, por todas as razões que conhecemos e pelas razões que desconhecemos, por todas as razões, enfim, possíveis e impossíveis, e que será preciso seguir até o fim com a espada deste mútuo silêncio cravada no meu peito e no teu peito.

Então, penso que só nos resta cultivar o sonho da Eternidade, de uma Eternidade que carregue em seu bojo um tempo, nesta Terra ou em outra Terra, um tempo em que se desfarão os Equívocos, a Solidão e este Destino que nos tem separado ao longo da presente vida, que nos tem separado por todos os modos possíveis, também pelas Neblinas e pelas Sombras cujos rostos não nos foi nem nos é dado decifrar. Creio que fomos condenados e punidos pelo crime de sonhar um sonho infinitamente maior do que nós.

A minha mais funda Esperança consiste em que, junto comigo, ainda que na sempre distância objetiva a que estamos destinados nesta vida, não abdiques também do sonho da Eternidade, da Eternidade em cujo âmago algum lugar nos guarda o nosso Possível, o Resgate da vida que, no silêncio mais fundo de nós, eu e tu viemos guardando ao longo desta já tão longa,tão longa existência.

Tua Zuleika