Carta atrasada

Querida amiga:

Terá sido transmissão de pensamento, ou algo assim, o que me fez pensar em ti seguidas vezes, ao longo dos últimos meses? Sim, não vais acreditar, pensei na possibilidade de, depois de tanto tempo, nos encontrarmos para conversar. Motivo? Qualquer pretexto seria válido. Afinal, já se vão anos que convivemos, na época (tão difícil para mim) em que ingressei como professora da universidade. Naquele ambiente competitivo, em que disputas acirradas se travavam, em que dardos eram arremessados de onde muitas vezes não se poderia imaginar, tu representaste para mim um escudo eficaz. Isso, contei com a tua velada proteção, tu, a pessoa que me tinhas convidado, quando eu era ainda estudante universitária, para começar, numa escola municipal, as minhas atividades docentes.

Nos últimos anos, quando me aposentei e tu, após período de merecida aposentadoria, resolveste voltar a trabalhar, naquele mesmo curso onde tinhas desempenhado um papel tão importante de coordenadora, e voltaste com a tua sabedoria e a tua simplicidade, veio-me algumas vezes a necessidade de uma aproximação. Queria que ouvisses a minha versão dos conflitos que ocorreram naquela época, e que te foram passados por terceiros, queria que compreendesses a minha posição, queria, sejamos francas, me justificar. Como a filha que se dirige à mãe em busca de compreensão. De alívio.

Que surpresa me fulminou quando soube do que aconteceu! Ainda não me conformei por não ter sabido que um tumor na cabeça te derrubou. Por não ter nem ao menos sabido que estavas com problemas de saúde. Já me contaram o desfecho. Fiquei sem chão. Agora te dirijo a minha carta, importa que, de onde estejas, possas ter ciência de que queria um contato. Tu foste muito importante na minha vida. Que estejas com Deus, querida amiga!