Humanizado em tua presença

* Perco todas as lutas, abandono armas. Não quero mais brigar. Não quero mais insistir.

* E se você não surge das trevas para me mostrar a luz como hei de descobrir o ponto exato do interruptor? Como hei de clarear a noite? Se você não surge como uma bela lua como hei acreditar nas estrelas?

* Desacredito, me desarmo, abdico qualquer força física e mental.

* Sou humano e sou verdadeiro, torno-me fraco. Te vejo repleto de pretextos, minto novamente... Abro a gaveta e ela cospe papéis...

* Você parece surpreso. Com certeza não esperava infinitas linhas de melancolia. Não compreende como posso ser tão mal formatado. Não entende como posso ter o espírito sombrio. E eu não me explico e nem ilumino o ambiente. Eu apenas me calo e concordo, apenas assinto e sorrio. Mas é um sorriso tão desistente que você me percebe exausto...

* Perco todas as lutas, entrego todas as cartas, mostro minha alma corrompida. Te assusto, te perturbo, faço o maior drama... Mas é só para no final do dia nós dividirmos os lençóis da cama... Dividimos corpos sob a lua... Você não me beija nem eu te desejo, as mãos se grudam, os corpos se apegam...

* Eu não te amo como amigo quem dirá como amante. Você não está fascinado quem dirá apaixonado. A minha obsessão não se dá pelo corpo e nem pela possessão, mas sim e somente pela presença, pela paz transmitida quando nos embaraçamos em pernas, quando nos confundimos com o choque dos corpos. E falta amor, falta sustentação.

* Nada te importa minhas dores e eu também não tenho interesse pelos teu dias de correria. Você é sempre o escolhido de meu coração. Ele te escolhe como refúgio, como o ouvinte de minhas lamentações. No entanto há uma covardia pura. Uma insegurança. E a tua falta de complacência não me permite fazer declarações; não me permite confessar pecados. É assim que me calo e repreendo meus temores. A nossa amizade quase alcança meia década e faz inveja aos olhos alheios. Porém, eu a vivo e reconheço como ela é frágil e superficial. Eu te ouço e não te confesso. Você fala e fala, é dos mais tagarelas... Você crê tanto em tua língua, confia numa articulação plena – coisa que não possui... Mas sou tolerante e vou te ouvindo, vou te aconselhando, vou imaginando o dia em que retribuirá. Por mais que eu espere tal retribuição conheço teus ouvidos, estes são impacientes e eu me mantenho silencioso. Olho para o lado e percebo a sorte de te manter comigo por todos estes anos. Percebo que não posso me assegurar em você da maneira que se assegura em mim; tua confiança e tuas palavras são gestos duvidosos e vagos. Por isso me abstenho, me abandono, me calo e deixo as exigências para outra noite de insônia.

* E este é o nosso comportamento estranho. Sou desconfiado e um ouvinte, enquanto você não filtra nada e vira o mais falador. Mas ainda assim abdicamos armas, encontramos o fogo, iluminamos esta relação estarrecida de inverdades e dissimulações. Torno-me fraco, torno-me o menos hipócrita possível, torno-me - acima de tudo – humano.

Priscila Silvério
Enviado por Priscila Silvério em 05/12/2010
Código do texto: T2654959
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