Cenas da Noite

Você vê os colares noturnos enrolados dos pescoços dessas belas mulheres que deslizam por aí como peças nobres de um banquete de luxo. E se pergunta porque faz tanto frio nessa noite, em que você procura algo barato para comer, e pensa sobre todas as tentações que uma caminhada pode lhe trazer. Os vendedores de escravas brancas pelos becos, se escondendo na penumbra dos desejos de cada um de nós. Cachorro-quente frio, cachorro morto quente. As estranhas entranhas de um bicho apodrecendo no meio-fio, enquanto uma viatura da guarda civil passa, impotente à noite com seus cacetes e balas de borrachas. Vergalhões de sete metros e construções abandonadas. São as cenas da noite que vem e que passam, que são vistas pelos carros a mais de cem quilometros por hora, pelas janelas dos apartamentos, que apagam suas luzes para a íntimidade do lar e os momentos de prazer a dois. Você não vê duas vezes as mesmas cenas durante a noite, mesmo que você as procure, pois eu vi aquelas mulheres que desfilavam com seus colares, e bem vestidas nos pareciam feitas de sonhos, perambulando pelas alamedas sujas e despercebidas. Agora as princesas sorriem quando você passa, esperando uma migalha do seu pão, cobiçando suas calças. As melindrosas esperanças de sempre. Sempre uma sinfonia clássica aos mendigos. É isso que você vê da noite, no parapeito da janela do hotel, ou na turbulenta avenida que você se perde para não mais voltar. Idas e vindas, corações partidos na lata do lixo, garrafas quebradas, faunas ensandecidas, cheiros peculiares. E a carne se esgota nos bueiros. Você vê um amigo de longe que lhe acena com um braço, um cigarro na outra mão, caminha apressado enquanto pragueja contra a noite. São esses os milagres da vida, e a vida é o que sobra da noite. É o que resta no fim da noite, que cabe dentro de um copo de whiskey vagabundo, que vagueia entre os corpos nús dos amantes de ressaca. A vida é o que sobrevive as cenas das noites, e o que guarda esperança para a próxima. Até chegarem os novos cheiros, os novos amores, novas decepções, e as incríveis visões da noite - contente-se com o que sobrou da sua vida nessa calçada suja, esperando condução para algum lugar, com qualquer resquício da sua alma, enrolada em um papelote branco.

Reny Moriarty
Enviado por Reny Moriarty em 20/12/2010
Código do texto: T2682683
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