Descoberta matinal

* Deitávamos sobre um colchão que não era largo nem pequeno; porém com certeza reduzia os movimentos noturnos mais bruscos. Você dispensava o travesseiro e era meu braço direito que lhe servia de sustento para a cabeça e os cabelos castanhos.

* Passei a noite quase insone, mas os ligeiros momentos de descanso foram suficientes. Só por estar ao seu lado já recarregava minhas forças. Havia uma transmissão de energias que variava. Quando, em muitas ocasiões, após um revirar de corpos - nos encontrávamos face a face, de olhos fechados e inconscientes, tua respiração era jogada em mim, trazendo uma sutil revitalização. Em outros movimentos nossos corpos se embaralhavam e o contato com tuas pernas trazia choque, a transmissão daí era violenta, quase direta; não passava como o hálito - pelo ar, mas sim pelo toque - sem intermediários.

* Havia só um cobertor e eu não me importaria em cedê-lo, porém estávamos em um inverno difícil de ventos fortes. Os ventos pareciam atravessar a janela, infiltravam-se em cada brecha, e eu tremia. Portanto, também dividíamos o cobertor e você muitas vezes se esquecia de mim. Eu puxava de volta sem a consciência de que te causaria frio e foi nessa guerra por aquecimento que acabamos entrelaçados. Digo isso sem muita certeza. Estou convencido de que o frio era arrebatador, mas o resto é bastante vago. Os sonhos ali ficavam divertidos e brincavam comigo, havia uma mistura de fantasia com realidade.

* Foram muitas as vezes em que eu acordei durante a noite e mais de uma custei a retomar o sono. Era difícil fechar os olhos quando o rosto em minha frente se fazia tão digno de apreço. E passei muitos instantes assim... Apenas te contemplando. Querendo perscrutar tua alma e teus sonhos, querendo fazer parte de tua mente. E eu reparei em tanto detalhe que havia me passado despercebido quando te vejo desperto. Notei como teu semblante noturno se difere do diário. Você dormindo mantém um aspecto sereno. Traz um sorriso que não saí dos lábios, fica ali a clara impressão de sorrir, mas não aparece o inclinar dos lábios; sustenta só a sombra do que seria um belo sorriso. Talvez eu tenha ficado horas te observando, mas tenho a sensação de que foram breves os instantes. Lembro que eu nem ousava piscar, pois tinha medo de não conseguir abrir os olhos novamente. Fato é que acabei piscando e adormecendo. Isso se repetiu muitas vezes até o verdadeiro despertar.

* Despertei no amanhecer. Nossos braços inclinados formavam uma concavidade e apenas a ponta dos dedos se entrelaçavam. E tanto tuas pernas morenas quanto as minhas brancas estavam esticadas numa curva, findando o encontro nos pés; de cima formávamos um coração. Um coração dividido por cores e vontades diversas. Na sua metade era tudo tranqüilo, inconsciente, na minha era emocionado, comovido, batia com veemência. E esse foi o mal. Esse foi o ponto da minha compreensão - quando realmente acordei. Percebi meu alvoroço em confronto com tua calma. O meu lado era todo feito de embates enquanto a tua metade se mantinha sossegada. Compreendi que tua noite foi de paz, teu sono foi profundo. Só o meu coração era inquieto e pulsava por você, o teu manteve um ótimo ritmo, sempre sereno... Sempre sombreado de belos sorrisos.

Priscila Silvério
Enviado por Priscila Silvério em 28/12/2010
Código do texto: T2695363
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