CARTA DE UMA DESCONHECIDA - Trechos

São Paulo, 16 de janeiro de 2011

Meu caro F.

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Ah, te entendo, como te entendo! Queria entender menos. Eu, no entanto, tento, desesperadamente, o mínimo do movimento inverso: ao invés de me dispersar totalmente em outro(s), como tu fazes, tento ainda uma Z. mínima, um centro mínimo a partir do qual a(s) outra(s) saiam pelo mundo.

Tenho um amigo pessoal que, todos os dias, mandava-me e-mails com dois pseudônimos que se revezavam. Certo dia lhe pedi que me escrevesse com seu próprio nome, S., para que me fosse possível, em algum lugar da vida me sentir minimamente real ao lidar com um nome de alguma mínima estabilidade.

Ele respondeu: “Mas, nós somos tantos! Como vai ser?" Eu retorqui: Apesar disso, de sermos tantos, escreva-me com o seu nome, que eu respondo como Z.,a Z. mínima que me for possível."

Isto escrevemos há tempos, meu amigo e eu, esses dois cheios de labirintos, esses nós, que pertencem, efetivamente, à estirpe dos labirínticos. Não preciso dizer que à ideia de precisar continuar a correspondência com o seu próprio(?) nome o perturbou tanto que nos foi necessário interromper a troca de e-mails.

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Se eu pudesse, me seria cigana, assim como tu gostarias de ser o palhaço de um desses circos de periferia, tu que passas a vida a escrever romances, como o personagem do conto de Stefan Zweig, conto do qual uso o nome para esta carta, sem que isso tenha nada a ver com ele, conto, apenas porque eu gosto muito do título ; como não posso ser cigana, preciso me vestir o possível de uma Z. qualquer, que não pode, esta Z., pretender a ajuda de uma fé específica (embora reconheça o poder de todas), nem de psicanalistas, não que os menospreze, longe disso, e ainda menos de livros ou de palavras de auto ajuda ??? (também nada tenho contra elas, fique claro).

Cigana, não das que leem mãos e adivinham futuros, mas porque as ciganas perambulam pelas ruas, o que deve ser bem mais suave do que se precisar perambular apenas por dentro de si mesma.

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Por isso tudo te entendo, ah, como te entendo! Quisera entender menos. Só devo te dizer que desses, como nós, há uma legião, todos espalhados pelo mundo, num país chamado APÁTRIA, título de conto que escrevi há muitos, muitos anos.

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Abraço fraterno de

Z. uma desconhecida.