CRÔNICAS COM O SABOR DE MEL DAS ABELHAS JATAÍ

Cara amiga Vanny,

Como lhe prometi, no primeiro domingo livre, a rede foi armada, depois do almoço, para receber-me, juntamente com o seu livro “Abelhas sem Teto e outras crônicas”. Sabia, antecipadamente, do prazer que sentiria ao ler as suas crônicas, todas elas, de cotidianos onde o humor e a fina ironia seriam os ingredientes das narrativas. É verdade que algumas crônicas do livro discorrem sobre o pensamento filosófico, mas, mesmo assim, você sabe como adoçá-las com a linguagem comum ao gênero híbrido – meio literatura, meio jornalismo. Assim, e diante desse conceito, você se mostrou uma poetisa que registra os acontecimentos do dia a dia, valorizando as coisas simples da vida e, de certa forma, eternizando-as.

Logo na apresentação, percebe-se, claramente, de onde vem a fonte da sua escrita: do seu trabalho. Muito embora, escrever, para você, seja uma rotina já cultivada há bastante tempo – reportado aos anos de sua infância quando, com total isenção, o seu genitor a incentivou a continuar escrevendo – e registrando os seus textos.

E aqui, no prefácio, eu endosso o que a Maria Iaci fala sobre a qualidade de seus textos. Diz ela: “seus textos reúnem, com cuidadosa delicadeza, inteligência, elegância, ponderação, leveza e frequentemente um finíssimo senso de humor”. Isto é claramente observado em cada crônica onde os assuntos tratados são passados para o leitor sem ser preciso maquiagem ou desvio e, mesmo assim, eles não perdem as principais características de entreterem sem se tornarem cansativos, apelativos ou pesados para quem os adota como leitura obrigatória dos finais de tarde – depois do expediente –, ou dos finais de semana.

A primeira crônica do livro é maravilhosa (Prestar Serviços Não Presta!). Essa comparação: "encontrar um cliente é como procurar um amor" é magnífica. E a autora vai mostrando todas as fases em que se dá esse “relacionamento” até chegar ao interesse maior: o namoro. E é nesse ponto que a autora escreve aquilo que difere justamente o amor do cliente: o dinheiro. Verdade, embora haja aí um paralelo: cliente sem dinheiro é amor sem paixão, sem desejo, sem querer...

“Em Deus Protege os Irresponsáveis”, o título apenas nos faz curiosos, pois, na verdade, a “irresponsabilidade” está na despreocupação de não se preocupar com meros detalhes, como: lembrar-se de pegar a bolsa no banheiro, receber de volta o cartão de crédito na hora da compra, a agenda esquecida na agência do banco, fazendo com que os deuses sejam comovidos com tantas ingenuidades e abram seus braços e as protejam desses pequenos deslizes (ou lapsos) de memória.

O livro todo é uma viagem diversificada de cotidianos: desde a modernização dos sete pecados capitais – transposta para a capital em que vive (Os Sete Pecados na Capital), passando pela descoberta de que as retas foram descobertas pelos homens e as curvas, claro, pelas mulheres (A Geometria dos Sexos) até chegar à crônica que mostra um pouco da geometria da São Paulo de 30 anos atrás – deliciosamente desenhada, em detalhes, em “Quem não se Comunica Come Batatas”. Aliás, essa crônica traz a primeira paixão da autora e como ela fazia para que fosse notada pelo escolhido (lançava bilhetinhos amarrados em batatas inglesas na direção da casa onde morava o príncipe).

Mas, nem só de causos e historietas, digamos, básicas, o livro é composto. Como disse, no início, Vanny discorre, também, sobre assuntos mais complexos, reflexivos e nos passa, de forma leve – porém abalizada – sobre temas como a rejeição e suas implicações na vida de cada um (A Rejeição) e nos mostra as principais diferenças entre ser ou não ser o escolhido para determinadas coisas, e traz, em sua opinião, o equilíbrio para superar tudo isso: a autoestima.

Em “Judas Crucificado”, a autora retoma um assunto polêmico que foi a traição de Judas e, consequentemente, a morte de Jesus. Ela nos leva a raciocinar sobre as trinta moedas de ouro, sobre a Semana Santa e a Malhação de Judas, sobre os Manuscritos do Mar Morto e termina a crônica, discorrendo assim: “justiça seja feita: a Bíblia condena um pobre calouro na arte da traição. Os Judas modernos lucram muito mais, não têm crises de consciência e jamais se suicidam”. Brilhante!

Algumas crônicas me fizeram voltar à infância. É claro que, em não sendo de origem italiana, a mesa lá de casa não trazia o Cappelletti, mas trazia a buchada de bode, a panelada e a mão de vaca, comidas que, numa de suas crônicas, os sabores (e gostos) não são muito apreciados na sua culinária. É, eu sei. Italiano, ou até mesmo, de Minas para cima, ninguém gosta de comidas “pesadas”. Mas, em compensação, lá em casa, de vez quando, a mesa trazia o leitão, porém, à moda nordestina.

Ri, Vanny, com algumas crônicas hilárias, como: “Doutor Futuca” (confesso que “futuquei” muito calango nos buracos de muros para eles saírem de lá), “Gatos não Latem” (e a mordida traiçoeira do gato Degas) e “No Bode, Baby” (onde você brinca com as palavras, ao mesmo tempo em que nos esclarece sobre o que é “bode expiatório” – na cultura hebraica –, terminando com a cultura alimentícia do nordestino pelo bode – já dito aqui).

E, por fim, a crônica que dá nome ao livro. Nela, a autora se mostra uma profissional compromissada com o seu trabalho, sensível à natureza, preocupada com o meio ambiente em que vivemos e, logicamente, com a preservação das espécies em seu habitat natural. Confesso que, na medida em que ia lendo a crônica, eu torcia pelas abelhas Jataí. Fiquei fazendo um análogo com algumas situações que vemos, como, por exemplo, com os despejos (reintegrações de posse) – os ricos tomando de volta, dos que não têm nada, dois metros quadrados de terra, lona e pedaços de paus – e aplaudi o seu empenho em tentar solucionar o problema de moradia das abelhas, conciliando-o com a reforma que estava fazendo na estrutura da casa. Admirável.

Parabéns, Vanny! O seu livro está ótimo. Sinceramente, eu recomendo e faço questão de divulgá-lo, pois o que é bom é para ser lido – não só pelos amigos –, mas pela comunidade literária, principalmente, a do Recanto que deve ter a mercê de prestigiar uma recantista de primeira linha literária.

Um abraço, Deus te abençoe!
Raí.

 


Vany Grisante é Arquiteta de profissão e Recantista de coração. E uma das melhores escritora deste espaço literário.
http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=16800
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 16/01/2011
Reeditado em 04/02/2012
Código do texto: T2732782
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.