Implosão mental

* É o destaque, brilha entre os transeuntes, chama minha atenção com facilidade. Talvez pela pele singular. Cores que nunca vi em outros braços. Ou pode ser pela forma, corpo bem feito que me basta um reflexo da silhueta, reconheço de imediato.

* Com muita ou pouca luz, a fumaça e a embriaguez se unem turvando minha visão; mas você, ah! Inexplicavelmente você está em foco.

* E é tudo que eu consigo ver. Fica no centro da vista com um sorriso vivo, alinhado. Os olhos parecem não ter fim, me dilatam a pupila e roubam minha cor. Deixa-me branco para se tornar moreno, tira minhas energias num simples suspiro. Tuas mãos estão unidas, sobrepostas com leveza, transpassando a ponderação, o cálculo em cada gesto. E teu sorriso ainda me encarando e consumindo... Pura simetria...

* E é tudo que consigo pensar. Irrompe nos momentos mais importunos, se instala nos pensamentos de tal forma que é vã a tentativa de refrear. A idéia fixa flutua em meu cérebro, como um gira-gira quebrado, vai rodando lentamente. A desordem e o caos mental. As recordações se embaralham e misturo você criança com o atual. Tão iguais, tão incompatíveis... Pego raiva de ambos, tanto do menino cativante quanto do adulto atrevido. Mas sou devoto. Sou fiel aos teus cativos porque ainda crianças eu já havia me rendido aos encantos. E na meninice era fácil demais, teu sorriso de dentes brancos e retos bastavam como pedido de desculpas. Tuas palavras indicavam algo que há tempo perdemos: espontaneidade... Indicava, acima de tudo, interesse em meu bem estar. Também me mantenho receptivo as tuas ousadias, teu novo caráter já formado. Cresceu e perdeu o que tinha de melhor, mas me manteve envolvido nas novas artimanhas. Estremeço aos teus contatos desnecessários, que servem apenas para me atentar a mente. Sou eu ou ocorre de fato um choque de energias ao encostarmos pernas? Imagino o calor ou você realmente me aquece na mais alta temperatura humana ao acolher meu corpo trêmulo nos braços? E eu durmo bem. Derretendo, mas bem...

* Agora a mente protesta e pesa, pois entre o calor e o carinho, há a displicência. Faz o que faz por puro divertimento, não creio mais em teus olhos grandes que se dizem preocupados. Ouço claramente a indiferença na voz, o questionar por obrigação. O cérebro é falho, mas parece perfeitamente eficaz quando se trata de captar teus detalhes.

* Por isso são tantas as mágoas. Porque abrigo uma série de visões e palavras. As minúcias dos reencontros. É muito para armazenar, a mente implode e te forma em pedaços, de diversos modos, ora idealizado ora realíssimo.

* E a realidade não é tenra. Você vem sendo desvelado, seduz a todos por hábito, está além do teu controle - impulsionado pelo desejo de ser querido. Continua a brilhar, se releva dos demais. Porém, perdeu nos olhos a intensidade, deixou de me querer bem... Ainda carrega o mesmo sorriso, só que sem vida, desalinhado...

Priscila Silvério
Enviado por Priscila Silvério em 21/01/2011
Código do texto: T2743470
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