ESTE É O TEMPO - (O milésimo texto; três anos no Recanto das Letras)

(Carta para mim mesma, feita só de frases inúteis)

Este é o tempo em que, tudo permanecendo, nada mais tem consciência nem qualquer certeza de si, nem de ser.

Este é o tempo em que, mergulhada no silêncio mais fundo, permaneço à espera de algum sinal de mim.

Este é o tempo em que, paralisada, urge que eu encontre de novo pernas e vontade de andar.

Este é o tempo de aceitar que o meu destino se cumpra aqui; o tempo de aceitar o destino que a vida escolheu por mim, que a vida escolheu em meu lugar.

Este é o tempo de dizer mais uma vez adeus sabendo que, como sempre, é sempre tarde demais para partir.

Este é o tempo em que nada mais vale a pena perguntar nem mais nada vale a pena tentar dizer-te dos meus sentimentos e das minhas razões.

Este é o tempo em que o Sol de dentro grita e não consegue me dar à luz.

Este é o tempo em que a Lua desiste dos sonhos que não lhe cabe mais sonhar.

Este é o tempo em que fui transformada, por tua vontade, na última letra do alfabeto: na última delas.

Este é o tempo em que perdi o direito ao meu nome próprio ... impróprio diante de ti e de outrem.

Este é o tempo em que até passarinhos zombam de mim.

Este é o tempo em que a Poesia se nega e não me olha sequer de viés.

Este é o tempo em que o irmão se nega ao gesto fraternal.

Este é o tempo em que os amigos que restaram não sabem o que fazer por mim.

Este é o tempo em que calo de vez os segredos que ficaram por dizer.

Este é o tempo em que o meu navio se cala, amarrado por todas as amarras, no cais.

Este é o tempo da minha ave restar, com asas inermes, apenas a olhar os céus sem fim.

Este é o tempo em que as palavras só podem dizer o que as máscaras impõem.

Este é o tempo em que, por decreto, só resta tornar-me um ser apenas prático e real.

Este é o tempo em que me resta devolver o Silêncio no qual, por 21 anos, me coube viver.

Este é o tempo em que eu daria a vida pela Terra do Perdão e da Redenção à vista, mas nenhuma, nem esta nem qualquer outra terra à vista, deste ponto no mar me é dado ver.

Este é o tempo de estar sozinha sobre um rochedo perdido em alto mar: o tempo da completada solidão.

Este é o tempo que só o tempo será capaz de dizer.

Escrito na noite de 28 de janeiro de 2011, com uma e outra alteração na manhã de 29 de janeiro de 2011.