Alucinações noturnas

* Resistir ao delírio de teu movimento e as delineações de teu corpo. Do alto te vejo emergir, nuvens cinzas vão se dissipando e entre elas você sorri.

* Nunca mais quero te ver porque o pecado, a malícia e fixação me queimam a nuca e corrompem a alma. E essa segregação do meu íntimo causou o desajuste e a insensatez atual; é preciso que eu me reúna, que encontre os fragmentos e os destroços, que pare de derreter e deslizar, arranque tuas palavras da pele. No processo de regeneração tenho chance de ser salvo, mas não basta. Porque você vai voltar e me destruir novamente, então é preciso que eu me separe. Que saia do teu lado e seja forte. Forte para não pecar por completo, pois a loucura e a visão de lhe ter próximo ou te ferir com unhas descuidadas é tanta que me tornou melancólico.

* A mente está endiabrada, você prepondera nos pensamentos. E não é justo dedicar tanto papel e caneta, tempo e força a quem não oferece um pensamento por minha pessoa. O teu descaso é explícito e isso me enjoa. Não sei como permiti a tua plena entrada em meus dias. Já havia me livrado dessa premência por tua figura, porém agora ela me acomete como nos dias iniciais. Agora pego outro caderno desbotado e te destino mais uma e milhões de palavras a fim de apaziguar a insanidade. Você já não se importava com minha devoção e ria ao me provocar ciúmes. Continua não se importando e rindo, eu continuo te escrevendo e de maneira feia. Nunca consegui fazer escritos bonitos...

* A estrutura e escolha de palavras, porém, não me interessam mais porque somente me afastando dessa relação tenho chance de ser saudável. As minhas proteções são provisórias, no entanto funcionam em parte.

* As alucinações não cedem e eu não me deixo atentar. Fico impotente com sandices na cabeça. Entorpecido com as cenas em que me convida para se aproximar e se revela de má qualidade. Depois é excelente, jamais medíocre. Nunca se permitiu ser regular e comum. Sempre me surpreendeu. Primeiro eu te julgava tão cândido que me emocionava os olhos ter teu rosto diante do meu. Sentia-me plenamente honrado por tuas palavras adentrarem meus ouvidos. Só anos depois notei como se tornou impuro e como as perversões se postaram em teu ser. O lado bom e ruim existe em todo indivíduo, isso não me assusta. Só não compreendo como alguém que aos meus olhos era sublime deixou o pior aspecto prevalecer. Ficou agora contaminado e infelizmente maculou as lembranças. Fica claro que por mais que me desagrade o caráter que optou, continua me comovendo. E é por essa comoção que te mantenho impresso e te revejo na mente das mais diversas formas. Você me sussurra atrevido, me olha bondoso ou me faz ajoelhar com remorso...

* As visões e o suor inundam travesseiro e colchão, carrego o diabo na mente e o medo no coração. Medo e força, fraquezas espirituais, escrevo agora deitado suplicando para que tua sombra não venha.

* Pois posso resistir de buscar tuas cores e curvas durante o dia, mas nada posso fazer a noite quando você emerge sorrindo de nuvens cinzas.

Priscila Silvério
Enviado por Priscila Silvério em 10/03/2011
Reeditado em 10/03/2011
Código do texto: T2840184
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