Teca - 30 de junho de 1988.

Teresina, 30 de junho de 1988

Prezado professor Arimathéa.

Desculpe-me mandar-lhe esta datilografada.

Exatamente no dia 27 deste em que foi datada sua última carta, a qual amenizou a dor profunda que me sufocava o peito, falo-lhe da minha dor, porque o senhor tem capacidade de avaliá-la e respeitá-la. Trata-se do meu animal de estimação, que de animal só tinha a raça, porque, na realidade, ela só precisava dizer palavras, pois, nos seus gestos e sons, nós a entendíamos muito bem. Oito anos de existência, amiga fiel e disponível para a defesa do nosso bem-estar. Além de Deus, ela ajudava a proteger a casa, as coisas e a nós. Descobri, com a sua morte, que fidelidade é sentimento raro e muita gente não é capaz de senti-lo. Teca era o seu nome e carinhosamente a chamávamos de Preta ou Tetê. Ninguém nos incomodava se queríamos descansar. Não gostava de presenciar atos de violência: colocava-se do lado da vítima. Teca, que muito preencheu a nossa casa e muita alegria nos deu, repousam seus restos mortais na pequena área da nossa casa. Impossível condições de levá-la para lugar indefinido. Sabemos não tê-la viva, mas sentimos a sua presença no silêncio das horas e até mesmo na inquietação do tempo. Deus, que tudo sabe, na sua bondade inigualável, dar-nos-á conformação e sabedoria para compreendermos que é impossível a vida sem a morte. Aprendemos a lição de que tudo é imprevisível. É preciso sermos melhores e fortes.

Teca, que era altamente sensível, não resistiu à repreensão do Geraldo – ambos se davam muito bem - ao fazer necessidades fisiológicas dela dentro de casa, após uma noite em que passou conosco a ajudar a Deus na nossa proteção. Ao levantar-se, saiu para a pequena área, como fazia toda vez que queria descarregar seu intestino e sua bexiga. Infelizmente, por negligência, o último portão dos fundos encontrava-se fechado. Meu irmão dia para o Geraldo e automaticamente ela foi repreendida. Com um olhar triste, interrompendo a ação, deitou-se para morrer. Foi tudo muito rápido e com tempo mínimo para algumas massagens profundas e com olhos abertos e parados, exalou o último suspiro. Eu, que estava falando ao telefone com meu pai, vejo meu irmão entrar para apanhar álcool e me dizer que a Teca estava morrendo. Pedi tempo ao papai e saí às pressas para vê-la sem vida. Fui toimada por um sentimento terrível de perda. Uma perda de uma existência querida. Na minha solidão, quando o Geraldo viaja, era ela quem me fazia companhia nas minhas longas noites em que, se não fosse a oração, não conseguiria dormir. Jamais me deixava sozinha. O médico, que nada mais podia fazer. Falou que foi parada cardíaca. Não aguentou o desgosto. Após inerte, expeliu o que retraiu. Apesar do grande amor e cuidados por parte do Geraldo para com ela, a limitação humana se fez presente. Unimo-nos mais ainda para que a dor não nos sufocasse. O Giovanni entrou para o seu dormitório, para chorar forte. Depois não foi mais preciso esconder as lágrimas. A Lílian, depois que foi avisada no trabalho, pediu-nos que não queria vê-la morta. Certa vez a Lílian escreveu: “A Teca lambe as minhas lágrimas”. E assim foi-se a Teca, a Preta, a Tetê, o animal de estimação. Bonita, limpa, inteligente, sensível, amiga fiel. Somente por oito anos foi possível gozarmos da sua companhia, da sua inconfundível fidelidade, da sua disponibilidade, da sua atenção, do seu sentimento, da sua ação, da sua personalidade.

Professor, somente para o senhor, dentre meus amigos, excluindo meus familiares mais próximos, desabafo-me, crendo na sua sensibilidade e na sua capacidade espiritual.

Mando-lhe o retrato da Teca.

Atenciosamente,

Francisca Miriam.

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Do livro “Correspondências de A. Tito Filho para Francisca Miriam”, Edição da autora, Teresina, Gráfica e Editora Júnior Ltda.,1995, páginas 72 e 73.

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Francisca Miriam
Enviado por Francisca Miriam em 23/03/2011
Reeditado em 23/03/2011
Código do texto: T2865469
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