Carta I

Tem um espaço – uma rede que balança no vazio, na distância, mas não na ausência, só vez em quando ou muitas vezes, numa solidão de abismo de tontear a cabeça. Ali deixo palavrações, afagos e muitos pêlos que soltam naturalmente de meu corpo. Pode ser que deixe algum anel na hora de deixar também os afagos para que não arranhe ninguém.

Eu pensava dias desse que existem pessoas que são de outro mundo, viemos numa nave bem louca que estava numa órbita em oito deitado mas que me faz subir, levitar em elipse e passando bem perto desta órbita em “O” no espaço do infinito caímos aqui nesta terra de salve-se quem puder ou deus me livre, mas não livra não e ninguém se salva não. Então, puft cabum strong long piuf! Acabou-se tudo, o cabo arrebentou e a nave naufragou de vez, destroços pra tudo que é lado, fizeram até brinco de fiapos, lascas da grande nave mãe além disso os nativos desta terra de fissura de mundo que também é linda demais terminaram por destruir qualquer compartimento da nossa máquina voadora, tocaram fogo no que ainda restava, sobraram cinzas de. Não podíamos esperar mais nada, além de seguir a viagem por aqui mesmo, conhecer a terra, o jeito, tomar forma, saber respirar o ar daqui e processar novas energias, elaborar coisas, mil monte de coisas como ser perfume, descobrir a beleza que tanto nos encantou e deixar que a fumaça (da memória) que não emitia sinal algum naquele momento se esvanecesse no tempo e aí respiraríamos novos ares em novos mares com novas rotas, desorbitados todos. As bocas eram uma torre de babel doido, ninguém se entendia. Os gestos nos faziam rir. Mas nesta queda minha pernas foram amputadas e fiquei completamente dividida se debatendo como corpo trucidado mas que ainda tem vida. De repente, sem saber que era isso possível em mim, começou das pernas a crescer um novo corpo e do corpo cresceram novas pernas. Dois seres de mim mesma se formaram, como se dividisse multiplicasse toda vez, é preciso ter cuidado com qualquer perda de mim pois percebi que na perda eu ganho duplamente. Também aconteceu que percebi que um dos corpos nasceram-lhe patas, caudas, orelhas agudas, uma espécie de camaleão, minotauro às avessas para escapar labirintos. Minguau que se não segura não. Se mexo fica assim, gelatinoso de brincar até.

Acontece que assim foi. E sou de dois mundos, posso transitar entre eles, tenho até susto se descobrir que sou de mais mundos, que bem acho que sim. É como uma espécie de órbita de origem e também nesta órbita daqui. Tenho infinitas dificuldades: meteoros, meteoritos, a volubilidade do ar, o ar rarefeito, satélites espaciais sem objetivos claros, a influência do sol, da Lua, dos mares, a maré que varia, os vulcões, os sertões, os rincões do mundo na lonjura que nunca pé algum pisou, a ciranda do universo, tudo tem vez me deixa tonta, tontinha, eu.

Tem vez a órbita muda e eu mudo, mudo sim, viu!? Quase caio do mundo outra vez. E caio. Ou é o mundo que sai da minha órbita. Aí lembro que posso nesse instante desorbitar e me salvo do colapso que é um passo para outras amputações. Então, desorbito, fico na rede me balançando vendo o furacão que tudo, de repente, se torna. A rede nesse vazio de nada, nesse abismo de solidão no fundo de fundo falso. Tenho outros espaços, segredo aqui um areal. Também outro que é a varanda onde me orientam órion, ursa e cassiopéia, elas estão no céu de minha mente. Trepada na goiabeira ou sob o pé de graviola no quintal lá da infância esse foi dessa órbita, às vezes os espaços se misturam. E nem há mal nem um nisso.

Tem também as pedras montanhosas, esses arrecifes onde fico arrebentada e arrebatada de mar, de ondas, de espumas salgadas, das vozes, dos sons de cada ser do fundo das águas, dos raios que se entrecortam o céu e chocam nas nuvens, as nuvens, as chuvas, as estrelas andarilhas cruzando minha noite escura, as canções do vento e do silêncio das pedras. Até quando me pergunto com algas nos olhos, escamas, guelras se ligando ao dedos, asas me crestando a cervical e anêmonas me dançando língua na boca e pêndulos na goela, eu me pergunto num urro, num clangor que vem de longe me pergunto: até quando? Até quando o quê? Até quando eu? Assim, aqui.

Alessandra Espínola
Enviado por Alessandra Espínola em 24/03/2011
Reeditado em 13/04/2011
Código do texto: T2868614