Saudações, Monteiro

Prezado José Bento,

Hoje você faria 129 anos. Quanto tempo, heim? Parece que foi ontem que partiste, pois todos ainda se lembram de ti como se estivesses aqui. Acreditas que até tornaram o dia do teu nascimento o Dia do Livro Infantil? Mas bem sei que gostarias mesmo de seres lembrado como um adulto polêmico e cônscio de tua importância para a sociedade brasileira.

Lembro-me que li em tua biografia que foste considerado lunático ao prever um apagão no Brasil, nos idos de 30, século XX. Pois é! Aconteceu naquele século e neste também. Nós tivemos de economizar energia elétrica mesmo sem querer. Pena que já esquecemos que economizar energia gerada pela natureza é aumentar o tempo utilização deste bem maior que Deus nos deu. Afinal, como diz o ditado, tudo que é bom, dura pouco. Haja vista você.

Outra vez que provocaste a sociedade brasileira foi quando disseste que a nação seria produtora de petróleo. Imagino o fuzuê criado pelos dirigentes e intelectuais da época. Imagine! Brasil com petróleo!? Aqui só se produzia cana, matéria prima da aguardente, e cultura escravizadora do trabalhador braçal, cacau para enriquecer os coronéis nordestinos e aumentar a pobreza do sertanejo da região e café tipo exportação, pois o brasileiro bebia mesmo o produto da mistura dos grãos ruins e folhas. Pois é! O Brasil produz petróleo. Diz-se até que o país é auto-suficiente no óleo, embora o brasileiro que tem carro pague pelo produto o preço de importação.

É, Monteiro, ficaste mesmo conhecido pelas tuas obras. Quem não se encanta com a Emília, a boneca falante e travessa? E a narizinho? Qual garota não gostaria de ser tão doce e querida como a netinha da vovó Benta? E qual vovó não sonha com netos tão inteligentes e amorosos como só Dona Benta tem? E o Jeca? Ah, coitado! Esse ninguém quer se comparar, embora tenha sido o personagem mais de carne e osso, como todo brasileiro trabalhador.

Atualmente tu não andas muito bem quisto por aqui, não! Descobriram-se nas linhas de teus livros algumas falas racistas. Aqueles mesmos que tanto admiraram a Emília e suas travessuras encontraram no relacionamento da boneca com tia Anastácia atitudes preconceituosas, assim como no estilo de vida de Jeca.

Também encontrei e, para dizer a verdade, fiquei um pouco decepcionada. Pensava que eras cem por cento politicamente correto. Descobri que és assim como eu. De carne e osso, sujeito a pecar, a errar e a ser também preconceituoso, mesmo negando até à morte. Sei que não fazias isso por maldade. Afinal já não estavas mais entre nós quando respeitar as diferenças virou obrigação respaldada por lei e não uma questão de direito humano. Mas entendo o espanto e a indignação de tantos. Eras um homem além do teu tempo. Falavas de tradições familiares e sociais, mas enxergavas além delas. Como não percebeste o que fazias à tia Anastácia? E ao homem do campo?

Bem, José Bento, feliz aniversário e fiques tranqüilo. Finalmente entenderam tua intenção em polemizar questões importantes para a sociedade brasileira, literariamente, uma vez que, quando falavas diretamente, não te davam crédito!...

Saudosamente,

LUCINEIA GRUGIKI
Enviado por LUCINEIA GRUGIKI em 18/04/2011
Reeditado em 20/04/2011
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