AINDA DA BORBOLETA ZUKA A PÉGASO, O CAVALO ALADO

Nunca saberás, Pégaso, do quanto sonhei com um mundo possível para nós. Nunca o saberás. Um mundo onde pudesse caber nosso Sonho e a nossa vida também, o Sonho dentro da nossa vida; o Sonho, sua pedra mais preciosa.

Tu me ensinaste a voar e voei, e voamos juntos para muito além dos limites das minhas pobres asas, até mesmo para além dos limites das tuas asas poderosas. Fomos para tão longe e tão fundo que cometemos o terrível pecado da hybris, o terrível pecado do orgulho de querer voar mais do que o permitido pelos deuses. Os deuses são ciumentos e nos castigaram, Pégaso, a esta distância e a esta solidão espantosas, que nos perseguem há séculos, como Fúrias.

Preciso das minhas asas, Pégaso, para voar o que ainda me for possível. Minhas asas fragilizadas precisam, mais que tudo, de terem forças para buscar ainda meu próprio alimento, o néctar, e o néctar do ser que de mim depende, daquele ser que sabes. Lembras também que, há milênios, fui uma princesa na China, uma princesa que todas as noites se transformava em borboleta. Guardo daquele tempo a saudade das pernas firmes e fortes, pernas, privilégio dos seres que têm o direito de se firmarem sobre os solos do mundo.

Pégaso, meu Amado, tu que tanto podes voar pelos amplos céus quanto caminhar e trotar e correr pelas campinas e caminhos da terra, na Terra: Nunca mais, que me lembre, nos foi dado, desde aquele tempo longínquo, ter de volta a condição humana; a mim, a quem tanta falta faz o poder das pernas, das pernas que me habitavam no transcorrer das manhãs e das tardes, enquanto mulher e princesa; a ti, igualmente, as pernas, de homem, assim como as asas de borboleta que, naquele mundo ancestral também tu, que tiveste por nome Chuang Chou, meu companheiro, meu príncipe, foste ser duplo e, tal eu mesma, te transformavas em borboleta nas noites sem fim; nós, seres humanos de dia, seres alados à noite, nos podíamos amar, livres, sem peias, plenamente, nas noites, nas madrugadas, nas manhãs, nas tardes, nos crepúsculos.

Pégaso, imortal Amado: Esta mensagem-carta é para reafirmar-te que eu nunca abandonei a fé e a persistência no Sentimento Sagrado que nos tem unido através das múltiplas formas assumidas por nossos corpos ao longo dos milênios. Venho para dizer-te também que nos cabe, por direito, a confiança no Futuro, no amor plenamente possível para nós, ainda que somente quando, em alguma Era, formos ambos transformados em constelações.

Terminado no final da tarde de 14 de maio de 2011.