Degrado 
 
Causou-me tal dor tua permissão de cães refestelando-se naquele breve momento que disseste ser meu!
Em cima da mesa que foi decorada para mim, a cadela em pleno cio uivando e sendo aplaudida pelo anfitrião da festa a mim oferecida completa o espetáculo do mau gosto.
A ousadia em macular aquilo que me deste tão espontaneamente sendo oferecido a ratos de esgoto e que eu tinha como sagrado e guardava e cuidava como ouro fosse, foi como se sendo possível, me doasse a qualquer pedinte em busca de poucos centavos para álcool barato.
Havia tantos restos a serem depositados em lixeiras recicláveis, mas lançaste o meu sagrado em vala a céu aberto.
Fico tentando entender onde está a outra metade daquela declaração em forma de cântico, para quem foi mandada e o que dizia. Um minuto e meio a mais que jamais conhecerei, mas sei que existe.
Que foi isto que fizeste?
A poesia pela qual me perdi em carinhos sendo enxovalhada tão grotescamente levou-me a pesadelos de uma prosa de horrores da qual não fiz parte. Aquilo que a mim parecia ser um sagrado altar, onde só se juntavam os ébrios de amor, se transformou numa reunião de pagãos e de sacrifícios felizes de inocentes assustados.
Não há ira, mas decepção, apenas uma decepção profunda pelas pérolas que foram dadas a mim e tomadas para serem lançadas aos porcos que rondam um céu mesclado de sangue.
Quando chegar a tal implosão, saberei então quem ficará com os restos, a quem pertencerá a incapacidade de desfazer o que se eternizou no ápice da crueldade grotesca, porque sabes, até mesmo na crueldade é possível alguma elegância, nem isto me dedicaste.

01.06.2011