Do fim que ninguém sabe quando chega

Escrevo sobre essas coisas do coração que não entendo, que não aceito, que quero mudar. Todas essas conversas boêmias e qualquer entorpecente que se use não respondem essas coisas que pulsam e ardem e doem. E escrevo sobre tudo isso na muñeca porque gosto que os meus dedos sintam o papel áspero onde antes se escreviam apenas palavras aveludadas de amor.

Nesse lugar onde eu estou tem um relógio parado pendurado na parede. E se for mesmo assim? E se a gente perdeu a hora e parou no tempo? Temo que o amor tenha ficado para trás, tenha sido pendurado na parede e esquecido de ser ajustado ao que hoje somos, ao que hoje queremos.

Na realidade escrevo sobre essas coisas que todos os dias permeiam minha cabeça. Sobre esses mil piolhos de ideias e dúvidas e paixões súbitas que nunca mordem nem morrem. Quisera eu morrer antes delas.Às vezes tenho medo desse som que ouço que não é nem jazz nem blues nem rockabilly. Esse som que tem dentro da minha cabeça e que canta no tom certo todas as minhas letras secretas de amor, todas as minhas juras, as minhas mentiras, as minhas loucuras de voz suave e piano. O corpo dança, percebe? É o ritmo da Conga ou do Caetano, não sei, só vejo os pés um pouco acima do chão se aproximando da sacada nessa noite de chuva, sem estrelas, com a rua nua. Se precisar, me siga. Ando um pouco triste e às vezes canto e danço sozinha numa expressão única de prece para a solidão jamais me alcançar. Tenho andado devagar numa direção que nem sei... Lembro de uma frase "se estiver perdido, vire à esquerda"... E desde então eu sempre viro à esquerda e não me perco do meu caminho porque nele há esperança. Peço que me dê um pouco de esperança também, um pouco de fé nessa vida que não é livre e que me deixa assim insegura. Me dê um pouco de confiança, um pouco de ombro, um pouco de ouvido, açúcar, cacau. Me dá essa água da chuva e espalha no meu rosto com essa água dos meus olhos. Me dá teus olhos. Me lê um pouco... Preciso que você saiba de todas as coisas que eu escrevo e não entendo. Preciso que você saiba de todas as coisas que eu nunca falei, nunca escrevi, nunca transpareci. Preciso que você me veja além da casca. Me lê um pouco. Me lê além do braile. Mê lê e me liberta. Faz um resumo do que eu sou e escreve meu epitáfio.

20/06/2011